O crescimento acima da média nacional amplia o horizonte e reativa a esperança dos nordestinos.
Por Gerson Freitas Jr.
Marinalva sobral está de malas prontas. Às 7 da manhã de 14 de janeiro próximo, a diarista embarca no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para o Recife. Deixa para trás uma história de 17 anos na capital paulista rumo a uma nova vida em Lagoa dos Gatos, município de 15 mil habitantes no Agreste pernambucano.
Nalva, como é chamada pelos amigos, migrou de Pernambuco para São Paulo em 1993, aos 17 anos. Mãe aos 15, deixou a terra natal a contragosto, para acompanhar o pai de sua filha na busca por emprego. “Era uma época difícil. A única opção para quem ficasse era trabalhar na roça”, lembra.
O casamento não deu certo e Nalva se separou apenas três meses depois de chegar a São Paulo. Arrumou emprego e abrigo numa “casa de família”, onde trabalhou como diarista por dois anos. De lá foi morar com a filha Paula numa casa de dois cômodos, um “quarto e cozinha”, na região do Cambuci, na zona sul de São Paulo. “Naquele momento era eu e eu.”
Nalva teve mais dois filhos, Fransuelen, hoje com 14 anos, e Pedro, com 8. Passou sozinha por dificuldades severas, e sempre alimentou a esperança de retornar a Lagoa dos Gatos. “Sempre quis voltar, mas não tinha o que fazer lá e também não queria depender de ninguém.”
Seu desejo cresceu nos últimos três anos, depois que sua mãe morreu. “Queria cuidar do meu pai, que está doente.” Seu Antônio, 63 anos, sofre com diabetes e pressão alta. Faltava apenas um meio de sobreviver com dignidade longe da metrópole.
Marinalva sobral está de malas prontas. Às 7 da manhã de 14 de janeiro próximo, a diarista embarca no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para o Recife. Deixa para trás uma história de 17 anos na capital paulista rumo a uma nova vida em Lagoa dos Gatos, município de 15 mil habitantes no Agreste pernambucano.
Nalva, como é chamada pelos amigos, migrou de Pernambuco para São Paulo em 1993, aos 17 anos. Mãe aos 15, deixou a terra natal a contragosto, para acompanhar o pai de sua filha na busca por emprego. “Era uma época difícil. A única opção para quem ficasse era trabalhar na roça”, lembra.
O casamento não deu certo e Nalva se separou apenas três meses depois de chegar a São Paulo. Arrumou emprego e abrigo numa “casa de família”, onde trabalhou como diarista por dois anos. De lá foi morar com a filha Paula numa casa de dois cômodos, um “quarto e cozinha”, na região do Cambuci, na zona sul de São Paulo. “Naquele momento era eu e eu.”
Nalva teve mais dois filhos, Fransuelen, hoje com 14 anos, e Pedro, com 8. Passou sozinha por dificuldades severas, e sempre alimentou a esperança de retornar a Lagoa dos Gatos. “Sempre quis voltar, mas não tinha o que fazer lá e também não queria depender de ninguém.”
Seu desejo cresceu nos últimos três anos, depois que sua mãe morreu. “Queria cuidar do meu pai, que está doente.” Seu Antônio, 63 anos, sofre com diabetes e pressão alta. Faltava apenas um meio de sobreviver com dignidade longe da metrópole.
A história começou a mudar há quase dois anos, quando uma ex-patroa comunicou-lhe que se mudaria para a cidade de Americana, interior de São Paulo. “Ela decidiu que ia me pagar um curso para que não ficasse na mão.” Nalva então se matriculou numa escola de cabeleireiros e aprendeu o ofício.
Munida das novas habilidades, decidiu que era hora de realizar seu sonho: voltar à sua terra com os dois filhos mais novos – Paula, a mais velha, acaba de se casar –, abrir um salão de beleza e cuidar do pai. Na bagagem, carrega a esperança de uma vida melhor. “Vou morar numa casa com sala, cozinha, dois quartos grandes e quintal, que meu pai comprou para mim, e tudo o que ganhar vai ser meu.”
Dos confortos da cidade grande, acredita, não vai sentir falta. “As coisas mudaram muito. Hoje tem tudo lá. Todos têm internet, celular. E as escolas são melhores. Além do mais, aqui só trabalho. Não tenho tempo de aproveitar nada.”
Munida das novas habilidades, decidiu que era hora de realizar seu sonho: voltar à sua terra com os dois filhos mais novos – Paula, a mais velha, acaba de se casar –, abrir um salão de beleza e cuidar do pai. Na bagagem, carrega a esperança de uma vida melhor. “Vou morar numa casa com sala, cozinha, dois quartos grandes e quintal, que meu pai comprou para mim, e tudo o que ganhar vai ser meu.”
Dos confortos da cidade grande, acredita, não vai sentir falta. “As coisas mudaram muito. Hoje tem tudo lá. Todos têm internet, celular. E as escolas são melhores. Além do mais, aqui só trabalho. Não tenho tempo de aproveitar nada.”
Como Marinalva, cada vez mais nordestinos que se retiraram para o Sudeste em busca de uma oportunidade decidem fazer o caminho de volta. Não que já tenham “cumprido sua missão” e agora busquem uma aposentadoria tranquila. Atraídos pelo bom desempenho da economia, vislumbram pela primeira vez a chance de ter uma vida digna, construir uma carreira e até ficar ricos numa região que, para muita gente, ainda é sinônimo de pobreza, atraso e assistencialismo.
É a história de Valdemir Martins, pernambucano nascido na litorânea São José da Coroa Grande, perto da divisa com Alagoas. Personagem carismático, Valdemir conta a própria trajetória como quem narra um romance. Gestos largos, sorri quando fala dos 11 irmãos – “nordestino não brincava em serviço naquela época” – e logo embarga a voz: “Nosso pai nos criou com muito sofrimento…sofrimento! essa é a palavra”.
Ainda menor de idade, aos 17 anos, decidiu seguir o exemplo dos três irmãos mais velhos e tomar um ônibus rumo a São Paulo, a fim de “tentar a vida”. “Minha vontade era permanecer em Pernambuco, minha terra. Mas, se ficasse, teria o mesmo destino que meus colegas de infância, depender da pesca.”
Valdemir desembarcou em São Paulo em 1988. A chegada foi difícil. “Fazia muito frio, era menor de idade e nunca tinha saído da casa dos meus pais. Larguei minha vida, minha adolescência e fui tentar uma vida que não conhecia.” A mãe, recorda-se, não queria que ele partisse. “Mas meu pai me deu apoio, com lágrimas nos olhos. Disse: ‘Vai lá, filho’.”
O retirante instalou-se num barraco de madeira em Barueri, Grande São Paulo. “Passei frio, fome, necessidade mesmo, coisa que meu pai até hoje não consegue me ouvir contar.” Sua vontade, desde logo, era voltar para São José da Coroa Grande. Não pensava em permanecer em São Paulo mais que um ano. Ficou quase 20.
Logo arrumou um emprego, concluiu os estudos e se tornou eletricista, profissão que exerceu, na informalidade, por 15 anos. Casou-se com uma conterrânea que conheceu numa das raras visitas à terra natal. “Sempre tive comigo que, se me casasse com uma paulista, não teria como voltar.” Comprou terreno, construiu sua casa e, anos mais tarde, teve uma filha, Rafaela, hoje com 14 anos.
Valdemir tentou retornar ao Nordeste em 2005, quando montou uma peixaria e construiu uma casa para a família em São José da Coroa Grande. A empreitada não vingou e o eletricista, desiludido, se viu, pela segunda vez, obrigado a se mudar para São Paulo. “Ainda tentei pescar, mas o sofrimento do pescador para conseguir o pão é muito grande. Minha vida é para minha filha. E eu me perguntava: que futuro eu vou dar a ela?”, conta. “Podia tentar o Bolsa Família, mas já tinha conseguido vencer em São Paulo. Queria viver em Pernambuco, mas, para mim, depender do governo era descer um degrau.”
Dois anos mais tarde, já em São Paulo, Valdemir vislumbrou uma nova chance. Ouviu de um cliente que um estaleiro seria construído no porto de Suape, entre os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, a poucos quilômetros do Recife. Alguns meses depois, mandou um currículo e foi contratado para trabalhar na instalação do empreendimento. Acabou ficando. “Logo que cheguei, percebi que a jornada seria longa. Comecei a preparar a moradia e, em dois meses, trouxe a família toda.”
Inaugurado em agosto de 2008, o Estaleiro Atlântico Sul é o maior do País em capacidade. Marco na retomada da indústria naval brasileira, pode processar até 160 mil toneladas de aço por ano e produzir navios cargueiros de até 500 mil toneladas de porte bruto, além de plataformas de exploração de petróleo. Consumiu mais de 1,8 bilhão de reais em investimentos de seus acionistas, as construtoras Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e o grupo PJMR.
O complexo industrial portuário de Suape, onde se encontra o estaleiro, é o símbolo maior do crescimento “chinês” experimentado pelo Nordeste. Nos últimos anos, a região cresceu sistematicamente acima da média observada no resto do País. Em 2010, deve crescer 7,7%, segundo a última previsão da consultoria Datamétrica. Pernambuco deve registrar o melhor desempenho, com uma expansão próxima de 8%. Todos os estados deverão crescer acima da média brasileira.
Silvio Leimig, diretor da Suape Global, conta que, até 2006, em 28 anos de funcionamento, empresários investiram pouco mais de 2 bilhões de dólares no complexo. A partir de 2007, os investimentos anunciados passaram de 20 bilhões. Mais de cem empresas, entre brasileiras e multinacionais, operam no local. Outras 30 estão se instalando.
Os investimentos modificaram radicalmente a dinâmica econômica da região. Geraram dezenas de milhares de empregos a populações que tinham poucas alternativas à pesca e ao corte da cana-de-açúcar. Só o estaleiro empregou 4,5 mil trabalhadores. Empresas fornecedoras de produtos e serviços para o estaleiro abriram outras 20 mil vagas. O complexo vai abrigar uma das novas refinarias da Petrobras, Abreu e Lima, e outras duas plantas petroquímicas que, ao todo, vão gerar mais de 15 mil empregos.
Para quem vive na região, os empregos são mais do que uma oferta de trabalho, renda e estabilidade. Representam, em vez de uma estratégia de sobrevivência, um projeto de longo prazo. “Minha vida melhorou muito. Mudou meu modo de pensar, de planejar o futuro. Hoje posso dar um incentivo maior para que não só a minha filha, mas outras pessoas com quem convivo estudem e procurem uma profissão, porque as oportunidades estão surgindo”, afirma Valdemir, que acaba de concluir o curso técnico e já tem traçada sua próxima meta: ir para a universidade e cursar Engenharia Elétrica. “A história do navio aqui em Pernambuco não vai ter fim. Quanto mais me aprofundar, mais vou ter o que aprender”, afirma. Sua mulher, Juscélia, retomou os estudos, fez curso técnico de administração e informática. “Ela quer ter uma profissão e trabalhar aqui no complexo. Eu dou o maior apoio”, conta, orgulhoso.
“As pessoas nunca fizeram tantos planos. Vejo isso todo dia, no meu bairro, na igreja que frequento, no curso que faço”, resume Adriana de Almeida. Há pouco mais de dois anos no estaleiro, a jovem negra, de 33 anos, sorriso largo e tom professoral, sempre trabalhou em pequenos comércios, como lojas de roupa e mercados. “É como correr numa esteira. Os limites são estreitos, e você não vai a lugar nenhum.”
Depois de ficar desempregada por quase um ano, matriculou-se em um curso de soldagem e foi chamada para o estaleiro. Hoje, chefia 19 funcionários na área de logística. “Minha ambição é formar profissionais bons, gente que tem certeza do que quer. Muita gente ainda tem a imagem de que o nordestino é miserável, sofrido e não tem opções. Estamos mostrando o outro lado.”
Outro lado que muitas vezes aparece escondido sob velhas estruturas. Quem caminha desavisado pelas degradadas construções do Recife antigo não imagina que, dentro de muitos dos casarões e galpões herdados da economia colonial do século XVII, jovens programadores desenvolvem tecnologias de última geração, criam novas empresas e fazem fortunas.
O Porto Digital, polo tecnológico criado em 2000, reúne mais de 132 empresas de software, além de consultorias, prestadoras de serviço, representações públicas e acadêmicas. São grandes companhias como Motorola, Microsoft, IBM e Accenture, além de dezenas de pequenos e médios empreendimentos locais. Concentradas em uma área de cem hectares, produzem quase 4% de toda a riqueza de Pernambuco.
O porto é ainda uma referência no que diz respeito à articulação entre a universidade, o governo e os empreendedores privados. Inaugurado no ano 2000, suas bases remontam à década de 1970, quando a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) criou os cursos de graduação e mestrado em informática. Em 1985, um grupo de professores doutores, de volta do exterior, resolveu transformar o curso numa referência internacional. “Pernambuco começou a se destacar como um grande polo formador de capital humano na área de tecnologia da informação, com um núcleo de professores e acadêmicos muito forte e diferenciado”, conta Guilherme Calheiros, diretor de inovação e competitividade empresarial do núcleo gestor do porto.
Os acadêmicos acreditavam que os profissionais formados na UFPE não só seriam absorvidos pelas empresas locais, como ajudariam a desenvolver um mercado forte na área de informática. “Os professores nos diziam: vocês têm de concluir o mestrado logo, fazer o doutorado fora e voltar para ajudar a desenvolver Pernambuco”, conta Sérgio Cavalcante, que passou pelo mestrado entre os anos 1986 e 1988.
A capital pernambucana limitou-se, porém, a ser um exportador de profissionais de excelência. As empresas médias não se sensibilizaram, e os principais núcleos de informática da região – como o que funcionava dentro do Banco do Norte (Banorte) – foram retirados do Recife ou simplesmente dissolvidos com o processo de privatização e abertura econômica dos anos 1990.
A saída foi estimular o empreendedorismo. Em 1992, a universidade criou uma incubadora de empresas – batizada de Recife Beat, em homenagem ao movimento Mangue Beat. A iniciativa estimulou a criação de dezenas de pequenas empresas, muitas das quais naufragaram. “Foi um erro achar que essas companhias se desenvolveriam isoladas no Recife, porque o mercado estava em São Paulo”, observa Cavalcante.
Decidiu-se então criar uma instituição privada, sem fins lucrativos, que funcionasse como um guarda-chuva para criação de empresas e tivesse um nome respeitado o suficiente para fazer a diferença nos grandes mercados. Em 1996, nascia o premiado Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, o C.E.S.A.R, hoje presidido por Cavalcante.
Embrião do porto digital, o C.E.S.A.R deu origem a mais de 30 empresas de tecnologia. Tal como no Vale do Silício, nos Estados Unidos, muitos de seus funcionários – em geral, jovens programadores na casa dos 20 anos – vão trabalhar de camiseta e bermuda. Alguns de seus projetos são sigilosos, e o acesso às áreas em que são desenvolvidos é restringido até mesmo aos funcionários não envolvidos. Fotos e filmagens são terminantemente proibidas.
A constituição do parque tecnológico, quatro anos mais tarde, foi uma iniciativa do governo estadual, interessado em desenvolver as “tecnologias portadoras de futuro”. O resultado foi a criação de um dos ambientes mais ricos do País em inovação e empreendedorismo. O polo hoje emprega mais de 5 mil profissionais da área de informática.
Muitos querem mais que um bom emprego. É o caso de Guilherme Barreto, 24 anos, e Thiago Diniz, 23, sócios-diretores da Codemedia, uma empresa incubada no núcleo gestor do porto digital. Recém-formados em ciências da computação, os jovens criaram um código de barras digital para celular que substitui o uso de ingressos de papel em shows, jogos de futebol e convenções. O sistema, garantem, poderia colocar um fim no problema com cambistas em grandes eventos. “Ainda é um produto a ser aperfeiçoado, mas a ideia é que logo possamos vendê-lo a uma grande empresa”, explica Barreto.
No andar de baixo, Fred Vasconcelos, 37 anos, colhe os frutos da empresa que, tal como a Codemedia, nasceu de uma incubadora, ainda nos tempos do Recife Beat. Criada há dez anos, a Jynxs Playware é uma das pioneiras da indústria de games no Brasil. Com 34 funcionários, a empresa produz jogos corporativos para empresas como Petrobras, Sadia e Volkswagen e fatura 2,5 milhões de reais. “A Jynxs se tornou uma das maiores empresas do ramo no País e, sem dúvida, uma das mais estratégicas”, orgulha-se Vanconcelos. O Recife é responsável por 30% do mercado de games do Brasil.
A galinha dos ovos de ouro desse administrador de empresas é a Joy Street S.A., criada em 2008. A empresa projetou uma plataforma de jogos batizada de Olimpíadas da Educação, adotada pelas redes de ensino público de Pernambuco e do Rio de Janeiro com o objetivo de melhorar seus indicadores educacionais. “Neste ano devemos faturar 12 milhões de reais”, prevê o empresário.
A economia do Nordeste beneficiou-se, principalmente, de um modelo econômico que priorizou a demanda. A expansão dos programas sociais e, sobretudo, o aumento do salário mínimo tiveram, sobre a região, um impacto muito maior do que no restante do País. A economista Tânia Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra que metade das famílias que ganham um salário mínimo encontra-se no Nordeste. A população nordestina também absorve 55% do orçamento destinado ao Bolsa Família. “Pela estrutura de renda da região, mais baixa que no resto do País, o efeito das políticas que mexeram com a renda foi maior aqui. O aumento dessas receitas impulsionou o consumo e atraiu investimentos, especialmente dos grandes grupos de alimentos, bebidas, varejistas e distribuição de alimentos.”
Investimentos em infraestrutura, como a duplicação da BR-101, a transposição do Rio São Francisco e a construção da ferrovia Transnordestina, injetaram bilhões na economia e ajudaram a dinamizar a construção civil, assim como os investimentos da Petrobras – que asseguraram à indústria naval a demanda necessária para voltar a investir depois de mais de uma década sem produzir um único navio.
A interiorização das universidades federais e a criação de novos institutos tecnológicos também mudam a cara do Nordeste, especialmente de cidades médias. É o caso de Caruaru, um dos municípios que mais crescem em toda a região. Nos últimos anos, a “Princesa do Agreste”, mais conhecida por suas confecções e pelas feiras que movimentam milhões de reais, atraiu estudantes e professores de todos os lugares e observou uma profunda transformação em seus hábitos.
Kleber Oliveira, 23 anos, é testemunha dessas mudanças. Oliveira se mudou do Recife para Caruaru há quatro anos, interessado no curso de design com habilitação em moda oferecido pelo recém-inaugurado campus da UFPE na cidade. “Em 2006, a realidade era muito diferente. Não tínhamos onde comprar os materiais usados no curso, e encontrar um lugar decente para almoçar era difícil.”
Além do mais, o mercado de confecções, dominado por empresas informais e com pouca preocupação com a qualidade, não era o campo mais atrativo para quem quisesse ganhar dinheiro com design e moda. “Aqui sempre imperou a cultura da cópia. As confecções compravam roupas de grife importadas e simplesmente reproduziam aquele modelo”, lembra. Por isso, a opção de permanecer na cidade não lhe passava pela cabeça: “Caruaru era a minha última opção. Queria terminar o curso e voltar para o Recife”.
Hoje é possível tomar um bom macchiato, como dizem os italianos quando pingam uma gota de leite, na elegante bodega João Doutor, pedir um “número 1” no McDonald’s ou fazer a própria massa na rede Julietto. O Shopping Difusora, inaugurado neste ano, segue os mesmos padrões de qualquer grande empreendimento do tipo nas principais metrópoles, embora obviamente menor. “As opções de entretenimento cresceram muito. De três anos para cá surgiu uma dezena de bares para todos os tipos e gostos. Hoje tem bar de rock, reggae, samba, alternativo.”
A mudança mais sensível, afirma Oliveira, está no mercado de confecções. “Hoje está muito mais aberto. As empresas estão desenvolvendo suas áreas de criação. Eu mesmo desenvolvo coleções, quando solicitado”, afirma o designer, que já reconsiderou sua posição em relação a Caruaru. “Quero ficar por aqui e montar minha própria confecção”. Segundo ele, sua renda é quatro vezes maior do que de colegas de profissão no Recife. Ambição semelhante tem a estudante recifense Éricka Diniz, que pretende montar uma consultoria para “conscientizar” os empresários da região sobre a importância do design. “Tem muito projeto para desenvolver em Caruaru.”
Clarice Cardim, também do Recife, ainda vê com reservas o desenvolvimento da região. “O crescimento é absurdo, evidente, está em todo lugar, mas falta planejamento. A infraestrutura é ruim, o trânsito é caótico, os mapas do GPS não estão atualizados. E o empresariado ainda não tem nenhuma consciência de inovação. Só se pensa no lucro.” O outro lado é o aumento da violência e dos problemas com o crack. Em quatro anos, Oliveira foi assaltado oito vezes, “seis delas à mão armada”. Em 2003, o Nordeste ultrapassou o Sudeste e se tornou a região mais violenta do País, apesar da melhora dos indicadores sociais.
A outra face do “novo Nordeste” está no campo. Nas áreas de Cerrado, como no oeste da Bahia e no sul do Maranhão, o agronegócio avança e transforma chapadões em imensas propriedades de soja. No Semiárido, onde as condições são bem menos favoráveis, o aumento dos recursos destinados a financiar a agricultura familiar e o empreendedorismo dos pequenos ajudam a mudar a vida das pessoas.
É o que se observa em Picos, polo produtor de mel e caju no sertão do Piauí. A apicultura chegou à região – que ostenta um dos piores índices de desenvolvimento humano do País – há mais de 20 anos, mas sempre sofreu com a desorganização, a falta de planejamento e, sobretudo, de recursos em uma área assolada pela seca. “Em todo este tempo, vimos que apenas os atravessadores e vendedores de equipamento ganhavam dinheiro. Pouquíssimos produtores obtinham algum êxito”, afirma Antônio Leopoldino Dantas Filho, o Sitônio.
As coisas começaram a mudar no início da década, quando os produtores começaram a se organizar para superar suas dificuldades. O movimento resultou na criação da Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro, a Casa Apis. O objetivo, conta Sitônio, presidente da entidade, era organizar a produção e, sobretudo, centralizar a comercialização do mel na região. Pouco mais de 900 famílias integram o projeto e a meta é agregar 200 novas famílias por ano. A produção cresceu, de 3 mil para quase 5 mil quilos, e o produto passou a ser exportado. Mais importante, os produtores passaram a beneficiar o mel: construíram uma das mais modernas unidades de processamento da América Latina – um investimento de 2,1 milhões de reais.
A atividade melhorou a vida de muitos pequenos produtores. É o caso do Antônio José, que produzia feijão e mandioca em pouco mais de 10 hectares no município de Santana do Piauí, comunidade com pouco mais de 4 mil habitantes. “Eram culturas que não davam um bom rendimento. Os custos eram altos. Sobrava pouca coisa pra gente.” A apicultura, assegura, garantiu-lhe uma fonte de renda “extra e sustentável”. José começou com apenas sete caixas de abelhas. Atualmente, possui 150 enxames. É o suficiente para garantir uma renda de pouco mais de mil reais por mês. “Hoje a gente tem um padrão de vida melhor”, afirma o apicultor, que abandonou as outras culturas e vive exclusivamente da produção de mel. O produtor tem três filhos. A mais velha, com 18 anos, estuda Direito na Universidade Federal da Paraíba. Mais uma prova de que a região é o novo eldorado do Brasil.
Gerson Freitas Jr.
Fonte: CartaCapital
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