Com apenas 7,5% da população brasileira com acesso à banda larga (dado de 2009), os benefícios da convergência digital ainda são usufruídos por uma minoria. Ao mesmo tempo, produtores de serviços, como softwares e conteúdos, não conseguem expandir a oferta diante de uma demanda tão limitada. A solução para esse impasse passaria pela ampliação do diálogo entre a indústria da comunicação e o Estado, o qual poderia incentivar o setor através de políticas públicas específicas, como o Plano Nacional de Banda Larga, sustenta estudo realizado pelo IPEA e pela Socicom.
Marcel Gomes
São Paulo – Seja como vetor de entretenimento, educação ou cultura, a indústria da comunicação no Brasil poderia desempenhar um papel mais relevante do que o atual neste período de aceleração do desenvolvimento do país. Com apenas 7,5% da população brasileira com acesso à banda larga (dado de 2009), os benefícios da convergência digital ainda são usufruídos por uma minoria. Ao mesmo tempo, produtores de serviços, como softwares e conteúdos, não conseguem expandir a oferta diante de uma demanda tão limitada. A solução para esse impasse passaria pela ampliação do diálogo entre a indústria da comunicação e o Estado, o qual poderia incentivar o setor através de políticas públicas específicas – por exemplo, através do Plano Nacional de Banda Larga, em gestação em Brasília desde o governo do presidente Lula.
Essa análise – em especial a necessidade de mais diálogo entre o setor da comunicação e o Estado – é recorrente na obra Panorama Brasileiro da Comunicação e das Telecomunicações, cujos três volumes foram lançados nesta terça-feira (12) durante seminário em São Paulo. O compêndio é inédito no setor da comunicação brasileira e pode ser atribuído ao esforço de pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Socicom (Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação), entidade que reúne quinze sociedades científicas brasileiras do campo da comunicação. Há artigos sobre tendências recentes da indústria, dados estatísticos sobre a abrangência do setor no Brasil, nos demais países da América Latina, em Portugal e na Espanha, além de um resgate da memória das associações científicas e acadêmicas brasileiras que estudam essas questões.
Ao participar do seminário, o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ressaltou o papel que as comunicações podem ter em um projeto de desenvolvimento nacional. Segundo ele, os bens imateriais do setor de serviços são hoje mais valorizados do que os bens materiais do setor industrial, o que justificaria o estudo dessas questões e a inclusão do setor em um projeto nacional de desenvolvimento. Para o presidente da Socicom, José Marques de Melo, a demanda por o que ele chama de “bom conteúdo” é grande, uma vez que apenas uma pequena parcela da população tem acesso a ele, enquanto a maioria vive sob um estado de exclusão “cognitiva”. “Estamos em um atoleiro em que a mídia não sabe o que é interesse público ou privado. Ela faz preponderantemente entretenimento, e é bom que o faça, mas é preciso divertir ensinando. A produção precisa ter conexão com a educação e a cultura.”, disse Melo, que também é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.
O presidente da Socicom chamou o lançamento do compêndio em parceria com o Ipea de um “momento histórico”. Para ele, essa articulação com um órgão ligado ao Estado indica que “o campo acadêmico da comunicação trilha o caminho da auto-estima, da consolidação e do compromisso público”. Enquanto outros setores da academia e da indústria nacional fizeram esse movimento há muito tempo, o setor da comunicação pagou o preço por ter seu desenvolvimento ocorrido apenas recentemente. Em sua fala, Melo refez os passos do setor enquanto área do conhecimento no país. Sua demarcação ocorreu apenas no final dos anos sessenta, por obra do jornalista Danton Jobim, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Jobim incentivou os debates entre profissionais do setor, acadêmicos e sindicalistas, permitindo a construção de uma identidade própria e a futura independência da área dos ramos das Letras e das Ciências Sociais. Fundador da Escola de Comunicação da UFRJ, em 1968, dava o primeiro passo para a criação de uma intelligentsia genuinamente brasileira entre pesquisadores do setor, permitindo a superação da dependência paradigmática de modelos externos.
Os avanços tecnológicos brutais dos últimos trinta anos colocaram a comunicação na agenda da sociedade civil organizada, dos sindicatos e de instituições públicas. A convergência digital obrigou a todos a discutirem a questão. Mas a razão não está apenas nela. De acordo com Gilberto Maringoni, professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e bolsista do Ipea, a comunicação entrou na agenda pública também por um fato político-social. Ele se refere à primeira Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom, em 2009, um processo que incentivou o debate nos Estados e em Brasília, mobilizando empresários, movimentos sociais e a academia, entre 1600 delegados enviados dos quatro cantos do país.
Um outro fator que incentiva o debate sobre comunicação na agenda pública tem a ver com a conexão entre esse campo e o do desenvolvimento. Nesse aspecto, o Ipea assumiu papel protagonista ao incentivar as pesquisas do setor. A pergunta colocada é: dentro de um programa de desenvolvimento nacional, qual a comunicação que queremos? Maringoni arrisca uma resposta: seria um modelo em que todos tenham acesso ao serviço, mas também tenham voz. “Para isso, o debate precisa ser feito”, diz ele. O Código Brasileiro de Telecomunicações ainda é o de 1962. Rádios e tevês com concessões vencidas tornaram-se casos corriqueiros. Os artigos 220, 221 e 222 da Constituição, que tratam do tema da comunicação, ainda não foram regulamentados. “Quaisquer projetos que tratam de criar regras de convivência para o setor são taxados como censura pela grande mídia, enquanto são necessidades básicas de quaisquer outros setores da vida. Não faz sentido”, criticou Maringoni.
Diante de tantas lacunas regulatórias, o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, João Maria de Oliveira, co-autor de um estudo sobre banda larga publicado no compêndio, defende atividade estatal no setor. “É fundamental que haja ação do governo para coordenar investimentos públicos e privados e para que se evite a concentração dos serviços apenas nas áreas mais rentáveis”, disse ele. A banda larga é um pressuposto para a convergência digital e para a produção de conteúdos regionais, mas seu mercado ainda é marcado por grande concentração e falta de competição. Os dados coletados por Oliveira indicam que na região Sudeste, por exemplo, o preço do acesso à banda larga equivale em média a 1/3 do preço cobrado no Norte. Assim, explica o pesquisador, em uma sociedade multicultural e multimídia, as políticas públicas de regulamentação econômica dos mercados de comunicações podem assegurar que os potenciais benefícios das tecnologias convergentes possam ser difundidos e fomentem a heterogeneidade cultural do país.
Essa análise – em especial a necessidade de mais diálogo entre o setor da comunicação e o Estado – é recorrente na obra Panorama Brasileiro da Comunicação e das Telecomunicações, cujos três volumes foram lançados nesta terça-feira (12) durante seminário em São Paulo. O compêndio é inédito no setor da comunicação brasileira e pode ser atribuído ao esforço de pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Socicom (Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação), entidade que reúne quinze sociedades científicas brasileiras do campo da comunicação. Há artigos sobre tendências recentes da indústria, dados estatísticos sobre a abrangência do setor no Brasil, nos demais países da América Latina, em Portugal e na Espanha, além de um resgate da memória das associações científicas e acadêmicas brasileiras que estudam essas questões.
Ao participar do seminário, o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ressaltou o papel que as comunicações podem ter em um projeto de desenvolvimento nacional. Segundo ele, os bens imateriais do setor de serviços são hoje mais valorizados do que os bens materiais do setor industrial, o que justificaria o estudo dessas questões e a inclusão do setor em um projeto nacional de desenvolvimento. Para o presidente da Socicom, José Marques de Melo, a demanda por o que ele chama de “bom conteúdo” é grande, uma vez que apenas uma pequena parcela da população tem acesso a ele, enquanto a maioria vive sob um estado de exclusão “cognitiva”. “Estamos em um atoleiro em que a mídia não sabe o que é interesse público ou privado. Ela faz preponderantemente entretenimento, e é bom que o faça, mas é preciso divertir ensinando. A produção precisa ter conexão com a educação e a cultura.”, disse Melo, que também é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.
O presidente da Socicom chamou o lançamento do compêndio em parceria com o Ipea de um “momento histórico”. Para ele, essa articulação com um órgão ligado ao Estado indica que “o campo acadêmico da comunicação trilha o caminho da auto-estima, da consolidação e do compromisso público”. Enquanto outros setores da academia e da indústria nacional fizeram esse movimento há muito tempo, o setor da comunicação pagou o preço por ter seu desenvolvimento ocorrido apenas recentemente. Em sua fala, Melo refez os passos do setor enquanto área do conhecimento no país. Sua demarcação ocorreu apenas no final dos anos sessenta, por obra do jornalista Danton Jobim, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Jobim incentivou os debates entre profissionais do setor, acadêmicos e sindicalistas, permitindo a construção de uma identidade própria e a futura independência da área dos ramos das Letras e das Ciências Sociais. Fundador da Escola de Comunicação da UFRJ, em 1968, dava o primeiro passo para a criação de uma intelligentsia genuinamente brasileira entre pesquisadores do setor, permitindo a superação da dependência paradigmática de modelos externos.
Os avanços tecnológicos brutais dos últimos trinta anos colocaram a comunicação na agenda da sociedade civil organizada, dos sindicatos e de instituições públicas. A convergência digital obrigou a todos a discutirem a questão. Mas a razão não está apenas nela. De acordo com Gilberto Maringoni, professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e bolsista do Ipea, a comunicação entrou na agenda pública também por um fato político-social. Ele se refere à primeira Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom, em 2009, um processo que incentivou o debate nos Estados e em Brasília, mobilizando empresários, movimentos sociais e a academia, entre 1600 delegados enviados dos quatro cantos do país.
Um outro fator que incentiva o debate sobre comunicação na agenda pública tem a ver com a conexão entre esse campo e o do desenvolvimento. Nesse aspecto, o Ipea assumiu papel protagonista ao incentivar as pesquisas do setor. A pergunta colocada é: dentro de um programa de desenvolvimento nacional, qual a comunicação que queremos? Maringoni arrisca uma resposta: seria um modelo em que todos tenham acesso ao serviço, mas também tenham voz. “Para isso, o debate precisa ser feito”, diz ele. O Código Brasileiro de Telecomunicações ainda é o de 1962. Rádios e tevês com concessões vencidas tornaram-se casos corriqueiros. Os artigos 220, 221 e 222 da Constituição, que tratam do tema da comunicação, ainda não foram regulamentados. “Quaisquer projetos que tratam de criar regras de convivência para o setor são taxados como censura pela grande mídia, enquanto são necessidades básicas de quaisquer outros setores da vida. Não faz sentido”, criticou Maringoni.
Diante de tantas lacunas regulatórias, o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, João Maria de Oliveira, co-autor de um estudo sobre banda larga publicado no compêndio, defende atividade estatal no setor. “É fundamental que haja ação do governo para coordenar investimentos públicos e privados e para que se evite a concentração dos serviços apenas nas áreas mais rentáveis”, disse ele. A banda larga é um pressuposto para a convergência digital e para a produção de conteúdos regionais, mas seu mercado ainda é marcado por grande concentração e falta de competição. Os dados coletados por Oliveira indicam que na região Sudeste, por exemplo, o preço do acesso à banda larga equivale em média a 1/3 do preço cobrado no Norte. Assim, explica o pesquisador, em uma sociedade multicultural e multimídia, as políticas públicas de regulamentação econômica dos mercados de comunicações podem assegurar que os potenciais benefícios das tecnologias convergentes possam ser difundidos e fomentem a heterogeneidade cultural do país.
Do Carta Maior
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