domingo, 13 de fevereiro de 2011

Na rua, como nos velhos tempos


Os recentes acontecimentos mundiais, que  envolvem, em distintas áreas do planeta,  grandes  manifestações populares de insatisfação com governos  discricionários e, em alguns casos, a própria  derrubada desses governos, nos convida a uma reflexão saudosista.

A saudade, no caso, conduz-nos  aos anos 60, 70, 80, onde, no Brasil e no mundo - aqui, antes e depois do golpe militar -  o comprometimento social das pessoas se  expressava através de mobilizações de massa, na luta por direitos então considerados  não atendidos, suprimidos ou em vias de supressão. A indignação marcava nas ruas sua presença  – muito mais que hoje - em passeatas que, reprimidas ou não, simbolizavam a inconformada  voz do povo. Essa época imortalizou um grito de afirmação da soberania popular: “O povo unido jamais será vencido!”  

As manifestações no Oriente Médio contrastam  com uma certa passividade que atualmente a sociedade ocidental deixa manifesta, diante de fatos que deveriam provocar  imediata mobilização,  em cenários que apresentam  diferentes graus de relevância, mas que, em última análise, revelam o primado da inação.

Houve reações na Itália aos desmandos de Berlusconi, mas espera-se mais do  povo italiano diante  dos destemperos, da derrocada moral  e do verdadeiro escárnio de um presidente que parece pairar acima daqueles  que pretensamente  representa e que, ironicamente, ameaça pôr, ele sim,  os seus partidários na rua para defender suas posturas reprováveis.

Comunidades nacionais inteiras, mundo afora,  estão a conhecer,  sem reação considerável, as declaração do ex-Primeiro  Ministro britânico Tony Blair, reconhecendo o “equívoco” da análise da existência de armas atômicas no Iraque, e, indiretamente, admitindo uma certa manipulação deliberada da opinião pública em ação que redundou em dezenas de milhares  de mortes naquele país. 

E o americano médio, que assistiu,  sem  questionar ,  a um filme como “ Sicko”,   de Michael Moore (de denúncia aberta dos males cometidos contra a saúde do povo em nome da ganância), aceita, igualmente sem grandes reações,  os posicionamentos de rejeição ao plano do Obama que procura contrapor-se a essa perversa engrenagem.   

O tempo que vivemos vem sendo mesmo, predominantemente, o tempo da inércia, da acomodação, do conformismo, da falta de comprometimento. Penso que essa postura tem a ver  com a ideologia neoliberal que coisifica as pessoas, e  é incentivada por estímulos ao hedonismo, ao consumismo, ao individualismo enfim, que faz com que os indivíduos, em geral, não se identifiquem com os problemas alheios e, paradoxalmente, não enxerguem sequer o mal que se faz a eles próprios. 

A mídia,  vinculada à manutenção das desigualdades por representar os economicamente poderosos,  sabe como inocular nos cidadãos comuns  o  vírus da alienação. Em nosso país, temos todo um falso aparato de informação para não informar (ou desinformar)  e suportamos  as vulgaridades televisivas de cada dia, materializadas nas novelas e mais novelas de baixíssimo valor dramatúrgico desvinculadas dos grandes problemas do povo, nos programas humorísticos que beiram o escatológico, nas fazendas e big brothers que  nada trazem de bom para a construção de uma sociedade sadia.

No Brasil, se é verdade que o ambiente  democrático que exercitamos  não  apresenta  problemas da magnitude dos que antes mencionamos, nem por isso faltam ao nosso povo razões de indignação.  Temos, por exemplo, na ordem do dia, o caso dos governadores que pleiteiam vergonhosas pensões arrancadas da contribuição de quem  uma vez imaginou estar representado por eles.  O Mair Pena Neto trouxe o tema  para o  DR.  Lembro-me, a propósito,  de um "Projeto de Constituição”, atribuído a Capistrano de Abreu,  que sugeria uma Carta Magna com um único artigo (“Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”) e um parágrafo único (“Revogam-se as disposições em contrário"). 

Mas é mesmo difícil  esperar isso dos governados com governantes tão destituídos de vergonha. 

Estamos perdendo a capacidade de mobilização nas ruas, talvez  porque as pessoas estejam cada vez mais compelidas ao isolamento individualista, em detrimento da solidariedade do coletivo. Cito  esse  episódio dos governadores ( que tende a cair no esquecimento),  como emblemático de muitos outros, sem preocupações partidárias, mas ideológicas,  até porque há, no caso desse assalto ao dinheiro público acobertado por legislação imoral, envolvimento de políticos dos mais diversos partidos.   


O povo brasileiro ressente-se, nos dias de hoje,  de participação.  Não pode assistir, inerte, a ocorrências desse tipo.  Pode e deve reagir, valendo-se de organizações não governamentais, de órgãos de classe e de mídia eletrônica,  com ou sem o apoio dos organismos  midiáticos tradicionais (que só “provocam” a reação popular quando lhes convém). O povo, sempre que ofendido em seus direitos,  deve exercer o seu soberano poder e (por que não?) ir para as ruas, como nos velhos tempos...


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