segunda-feira, 21 de março de 2011

Hoje é Dia da Síndrome de Down (e de derrubar preconceitos)

Pessoas com Síndrome de Down têm os mesmos direitos que as pessoas “comuns” e podem ter uma vida feliz e produtiva. Apesar disso, acabamos tratando-os como um problema a ser eliminado. Uma coisa é defender o direito ao aborto por não desejar uma gravidez. Outra, eticamente questionável, é abortar porque o filho não era bem o que se esperava – o que vem sendo sugerido por alguns médicos quando a Síndrome é detectada na gestação. A isso, aliás, dá-se o nome de eugenia. Hoje, limam-se os “diferentes”. Amanhã, quem não tiver olho azul e DNA de sueco não terá chance?

Para lembrar o Dia Internacional da Síndrome de Down, celebrado nesta segunda (21), e nos lembrar de que a felicidade está muito além padrão de família vendido em comercial de margarina, pedi para o jornalista Renato de Souza escrever um texto exclusivo sobre o tema para este blog. Ele é pai de uma criança que nasceu com a Síndrome:

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No dia 21 de março, comemora-se o dia Internacional da Síndrome de Down. Mais uma oportunidade para políticos e gestores de saúde pública se promoverem em solenidades oficiais de homenagem às pessoas com deficiência. Muitas promessas vazias e discursos sem conteúdo serão proferidos, e no dia seguinte tudo seguirá como dantes.

Porque a política de inclusão das pessoas com Síndrome de Down – no Brasil e no mundo – sofre de um mal de origem: o feroz preconceito – profundo, milenar e disseminado – contra pessoas com deficiência intelectual. A elas não é devido respeito, mas condescendência. Não são aceitas, mas toleradas. Não atraem amor, mas piedade. Em resumo: não são realmente humanas, “gente como a gente”. E são, portanto, descartáveis…

Ainda que a Síndrome de Down fosse uma doença, o método de combatê-la é perverso. Quem imaginaria uma política concertada de detecção e eliminação de embriões que venham a desenvolver, depois de nascidos, diabetes, hipertensão ou calvície? Absurdo? Pois essa política existe para detectar eliminar pessoas com síndrome de Down. Nos países desenvolvidos, uma vez detectada a síndrome de Down em um exame pré-natal, geralmente a mãe recebe a recomendação de abortar. No Brasil, onde o aborto é proibido, o mesmo procedimento é seguido pelas mães ricas, que podem pagar médicos particulares.

Mas será que ela é uma doença? O que significa hoje ter Síndrome de Down? Ela resulta de uma alteração genética. As pessoas “comuns” têm 46 cromossomos, ordenados em pares de 1 a 23. Quem a tem, possui 47 cromossomos. Esse cromossomo a mais produz alterações fisiológicas e morfológicas que influem na coordenação motora e capacidade de aprendizado. Pesquisas recentes sinalizam ser possível desenvolver medicamentos que reduzam o efeito desse material genético excedente, melhorando o desenvolvimento das pessoas com Síndrome de Down. Lamentavelmente, poucos recursos são destinados a tais estudos, pois o aborto parece uma solução mais simples.

Apesar da falta de investimentos em pesquisa médica, ocorreu uma dramática melhora na qualidade de vida das pessoas com a síndrome. A expectativa de vida de um adulto de hoje é de 60 anos, o dobro do que era há 30 anos – e deve continuar crescendo. Em função do imenso progresso nas terapias de apoio, grande parte das pessoas com essa condição tem ingressado no mercado de trabalho, e uns poucos têm mesmo cursado o nível superior.

E mesmo que nada disso estivesse acontecendo, cabe perguntar se o valor de cada um é medido pelo seu sucesso profissional. É essa a medida de humanidade? Pessoas com síndrome de Down são tão capazes de alegria, tristeza, amor, raiva, angústia e tédio como todos nós.

A prática de abortar sistematicamente embriões com Síndrome de Down é uma ameaça à inclusão. Para que existam serviços públicos a disposição de um determinado grupo de pessoas, é preciso que a demanda seja significativa. Ademais, os abortos em massa são um sintoma de que pessoas com Síndrome de Down não são bem-vindas em nosso mundo e um prenúncio da hostilidade que enfrentarão em espaços públicos, como a escola e o trabalho. O número cada vez menor de pessoas com a síndrome só contribui para aumentar o estigma dessa condição.

Nos países ocidentais do chamado Norte, tão orgulhosos de sua tradição humanista, essa é uma verdade inconveniente. As iniciativas de inclusão social convivem com uma política quase-oficial de aborto de embriões com alterações genéticas. Recentemente, a ministra da Saúde de certo país anglófono defendeu a expansão dos testes pré-natais para “prevenir a Síndrome de Down”. No ano passado, as autoridades de outro país de reputação humanista negaram visto de turista a um adolescente brasileiro com a síndrome, alegando que este haveria de fixar residência ali, o que pressionaria os custos dos serviços de saúde pública locais.

Não cabe aqui discutir o mérito do direito ao aborto, muito menos defender sua proibição que, de resto, já existe no Brasil. Interessa enfatizar a importância da difusão de dados corretos e atuais sobre o que é ter Síndrome de Down. Tais informações não são disponibilizadas pelos médicos que travam o primeiro contato com gestantes de crianças com essa condição. Muitos dos que optam pelo aborto de um feto com a Síndrome mudariam de opinião se soubessem como é, hoje, ter um filho com ela. Seriam informados de que são crianças que demandam mais trabalho e dedicação, mas que são capazes de se inserir em nosso mundo e dar muito amor.

Mais crianças com Síndrome de Down nos espaços públicos não são um ônus para a sociedade – como querem certas mentes iluminadas – mas um ganho. São lições de cidadania, solidariedade e respeito pela diferença. Essas pessoas, com o apoio necessário, têm muito a contribuir.

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