Matheus Pichonelli e Ricardo Carvalho
Confira a íntegra da entrevista concedida a CartaCapital pelo filósofo húngaro István Mézáros, um dos mais destacados pensadores da atualidade |
Era uma manhã fria de quinta-feira quando o filósofo húngaro István Mészários, 81 anos, apareceu à porta da casa no bairro de Sumarezinho, zona oeste de São Paulo, onde se hospeda quando vem ao Brasil. Desta vez, a viagem tinha como escala, além da capital paulista, as cidades de Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. A ideia era participar de encontros e divulgar o livro István Mészáros e os Desafios do Tempo Histórico (Boitempo, 280 pág., R$ 43), uma coletânea de artigos sobre sua obra – inclusive um artigo dele mesmo.
Alto, os olhos enormes e azuis, Mészáros não parece, à primeira vista, a metralhadora giratória que se apresenta logo no início da entrevista, quando faz um relato de quase 40 minutos da situação dos partidos políticos na Europa e nos EUA. “Berlusconi é um palhaço criminoso”; “Obama diz que vê a luz do túnel, mas não vê que é a luz de um trem que vem em nossa direção”; “A Alemanha se engana quando pensa que vive um milagre econômico”; “O partido socialista agiu contra os trabalhadores na Espanha”; “os políticos na Inglaterra parecem um avestruz que insistem em esconder sua cabeça debaixo da terra”…
Em cada resposta, o professor emérito de Filosofia da Universidade de Sussex e um dos mais destacados marxistas da atualidade deixa sempre explícita a necessidade de se entender o processo histórico da formação da sociedade atual para que se possa compreender, de fato, qualquer questão da atualidade. Crítico da social-democracia européia, que ao longo do século assumiu um tom reformista dentro do sistema dominante, Mészáros, que foi discípulo de György Lukács, vê com desencanto as opções que hoje se apresentam à esquerda, e também as manifestações populares que estouraram na Europa desde o início do ano. O motivo é simples: o discurso funciona, mas a realidade é que o sistema capitalista é cada vez mais inviável, com líderes das nações buscando mais dívidas para cobrir rombos colossais e a necessidade de se produzir cada vez mais num momento de esgotamento de recursos. A chamada crise financeira internacional, portanto, não é cíclica, mas estrutural, conforme pontua.
Mesmo assim, em duas horas e meia de entrevista, Mészáros deixa escapar um certo tom de otimismo em relação ao futuro – “que, infelizmente, não será no meu tempo” – quando fala sobre tomadas de consciência e mudanças que observa na América Latina.
Abaixo, os principais temas abordado durante a entrevista concedida a CartaCapital:
“O sistema capitalista, no auge da sua produtividade, é incapaz de satisfazer plenamente as necessidades da população mundial por comida”
“Engana-se quem acha que esse excedente chinês salvará o sistema, porque são três trilhões de dólares em comparação a 30 trilhões do restante do mundo. Não significa nada”
“O que são esses partidos da social-democracia hoje na Europa? São herdeiros de anos de reformas que os trouxeram cada vez mais para a direita”
“Há pouco tempo as reuniões políticas estavam repletas de pessoas mais velhas, e agora esses encontros estão repletos de pessoas mais novas”
“Nós criamos o hábito de varrer nossos problemas para debaixo do carpete. Só que o nosso carpete histórico se parece cada vez mais a uma montanha, está cada vez mais difícil de caminhar sobre ele. Não há solução imediata”
“Os países capitalistas avançados são os mais destrutivos. Você chamaria isso de avançado? Não é avançado e em muitos aspectos nos traz de volta à condição da barbárie”
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