sábado, 16 de julho de 2011

O caso New of the World no Cruzeiro do Sul, de Sorocaba

O adeus patético de um jornal

Por José Eduardo Manoel

A busca do furo de reportagem, dos recordes de venda em bancas, não pode ser um objetivo incondicional. A informação não é um produto qualquer.

Notícia publicada na edição de 16/07/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

News of The World, o tabloide semanal mais vendido em todo o mundo até a semana passada (quase três milhões de exemplares por edição), despediu-se dos leitores no domingo, 10 de julho, abatido pela onda de indignação que suas práticas jornalísticas - reveladas na esteira de uma investigação policial - provocaram em leitores e anunciantes. Quatro palavras na capa e no website do jornal (thank you and goodbye) e uma tentativa patética de compensar os danos causados a pessoas inocentes (parte da renda obtida com a última edição foi prometida para entidades filantrópicas) colocaram um ponto final na trajetória do semanário, iniciada há 168 anos - mais precisamente, no dia 1º de outubro de 1843.

Mesmo para os padrões éticos um tanto flexíveis dos tabloides britânicos, acostumados a bisbilhotar a vida privada de políticos e celebridades do mundo artístico para explorar suas fraquezas com manchetes sensacionalistas, o News of The World foi longe demais. O tabloide, pertencente ao magnata das comunicações australiano Rupert Murdoch, tinha por hábito grampear telefones de gente famosa e também de vítimas de crimes para conseguir boas histórias. O caso mais chocante foi o de Amanda "Milly" Dowler, de 13 anos, assassinada em março de 2002. Antes que seu corpo fosse encontrado, em setembro daquele ano, os jornalistas do News of The World vasculharam as mensagens de voz recebidas pela menina e apagaram algumas delas, a fim de livrar espaço para eventuais novas mensagens que chegassem. Isso desnorteou a polícia e fez com que a família acreditasse que Milly estaria viva.

A comoção popular deflagrada pela revelação desse escândalo abriu um debate sobre os limites do jornalismo na busca pela informação, com intensidade que não se via, na Europa, desde que o Mercedes de Dodi Al-Fayed se espatifou em um túnel de Paris, causando a morte da princesa Diana, que fugia de um grupo de fotógrafos, em agosto de 1997. "Uma imprensa livre e aberta deveria ser uma força do bem na sociedade", filosofou Murdoch em um pedido público de desculpas.

O episódio mostra de forma cristalina que a busca da informação e sua publicação têm limites, cuja extensão e propriedade devem ser debatidos a cada novo caso pelos jornalistas conscientes, tendo como referências, por um lado, o direito da sociedade à informação, e, por outro, os direitos direitos humanos, constitucionais e legais de todas as pessoas. A busca do furo de reportagem, dos recordes de venda em bancas, não pode ser um objetivo incondicional. A informação não é um produto qualquer. Sua relevância social deve ser avaliada incansavelmente. A apuração e a distribuição devem descartar mesmo doses imperceptíveis de irresponsabilidade.

Por vezes, é melhor perder o furo, a primazia de sair na frente com uma informação, do que sacrificar alguém - mesmo porque a informação é um processo histórico, e a história não se faz em um único dia. Há situações em que a simples revelação de um nome provoca consequências irreversíveis para uma pessoa - e foi por isso que, na quinta-feira, 14, o Cruzeiro do Sul optou por não revelar a identidade de um suspeito de homicídio, diante do fato de que o crime continuava sendo apurado e não havia, ainda, confissão ou acusação formal ("Investigação - Polícia prende suspeito de matar meninas no Betânia", pág. A10).

Definir uma postura ética em relação ao leitor, às fontes e aos personagens das matérias, em meio às batalhas do dia a dia, nem sempre é tão fácil ou óbvio, mas qualquer veículo de comunicação que não esteja comprometido apenas com o lucro e as vendas deve se esforçar por fazê-lo. É isso, em última análise, o que diferencia o verdadeiro jornalismo da picaretagem - e que, em casos extremos como o do News of The World, determina se um jornal deve continuar existindo ou não.

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