quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A guerra surda da indústria fonográfica

Em pouco tempo, artistas americanos poderão reaver direitos autorais; gravadoras entram na briga para impedir perda em meio à crise que atravessa há anos. Foto: Rodrigo Moraes

Por Clara Roman

A partir de 2013, um detalhe da lei americana permitirá que artistas recuperem o direito sobre suas obras após 35 anos de cessão. Veteranos, porém lucrativos, famosos como Bob Dylan, Billy Joel, Tom Waits e muitos outros poderão quebrar contratos, mudar de gravadora, enfim, fazer o que bem entenderem com suas canções, de acordo com a Termination Law.

A lei, que visa proteger os artistas das poderosas gravadoras, fala que os contratos de cessão de direitos feitos a partir de 1978 perdem valor depois de 35 anos, exceto para obras feitas sob encomenda. Enquanto a data para que a lei passe a valer se aproxima, as gravadoras já começaram a chiar.

O argumento é de que, por ser produzida em estúdios das próprias gravadoras e bancada por elas, a maior parte das músicas pode ser considerada “sob encomenda”. Assim, a lei não se aplicaria à maioria das produções, livrando a indústria fonográfica de outra grande perda. Os músicos seriam, então, empregados das empresas e, portanto, teriam feito suas obras a pedidos.

A discussão acontece num momento em que as gravadoras americanas tem tido uma queda substancial nas vendas. Em 2001, o faturamente chegava a 14,6 bilhões de dólares. Em 2009, era de 6,3 bilhões de dólares. Isso numa época em que os consumidores aprenderam a baixar músicas diretamente de seus computadores e as gravadoras competem com vendedores de produtos piratas. Por isso, as empresas tentam, a todo custo, evitar novas perdas. O argumento, porém, é discutível. Segundo reportagem no The New York Times, especialistas acreditam que o argumento das gravadoras não será aceito, uma vez que a maior parte dos cantores pagou sua própria gravação e as relações trabalhistas se dão de forma diferente nesse meio. Os músicos não podem ser considerados empregados, como querem as gravadoras.

“Os americanos são muito pragmáticos, devem enxergar a lei como instrumento de negociação”, afirma Rodrigo Salinas, mestre em direito e membro da Associação Brasileira de Direito Autoral. Segundo ele, apenas grandes artistas, que ainda possuem volume de vendas, serão beneficiados com as novas regras e poderão negociar contratos mais lucrativos com gravadoras. “A gravadora não vai se importar com um produto que não gera receita”, diz Salinas.

As empresas de edição musical, portanto, devem ser as mais prejudicadas, uma vez que deixarão de ter direito de lançar CDs com o trabalho desses artistas. Ainda assim, é uma medida que deve levar em conta um cálculo sobre o lucro de vendas gerado por esses músicos nas últimas décadas.

No Brasil, ainda não há nada parecido, mas filiais das grandes americanas podem ser influenciadas pela lei. Pablo Ortellado, professor de Propriedade Intelectual na USP e estudioso do tema, acredita que os músicos brasileiros ainda são muito pouco instruídos sobre os próprios direitos e acabam se submetendo às gravadoras. “Eles dão tudo para gravadoras, sem saber que poderiam negociar”, diz.

Pirataria e direitos autorais

No Brasil, a discussão adquiriu novos contornos quando foi proposta, em 2010, a Nova Lei de Direitos Autorais pelo então ministro da Cultura Juca Ferreira. Depois de passar por audiência pública, a lei voltou ao ministério, onde está sendo revisada pela nova ministra, Ana de Hollanda, que se mostra favorável a uma maior regulação da “pirataria” online.

Se aprovado o último texto divulgado, algumas mudanças cruciais serão observadas no mercado musical. Entre elas, a aprovação de cláusulas que tornam a cessão de direitos pelos artistas mais branda e a instituição de punição para o jabá, espécie de suborno pago às rádios pelas gravadoras para lançar suas músicas e praticado livremente. Outra grande mudança seria uma regulação estatal do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), órgão que distribui a arrecadação de direitos autorais e que, segundo Ortellado, é dominado pelas gravadoras. Uma CPI do Senado foi instaurada para investigar desvios no órgão, acusado de formação de cartel. A regulação estatal exigirá uma maior prestação de contas do órgão.

A pirataria online é outra questão que tem dividido opiniões. A indústria fonográfica atribui a veiculação gratuita e sem pagamento de direitos autorais como a maior causa para sua decadência. Os estudos de Ortellado, no entanto, apontam para uma conjunção de fatores, entre elas a distribuição digital de músicas, como causas para o declínio de vendas. A competição com outras formas de entretenimento, como jogos online e videogames e o fim da troca de vinis por CDs seriam razões possíveis para a diminuição do consumo de discos.

Além disso, a modificação dos pontos de venda de CDs, que passaram a se concentrar em hipermercados, pode ter feito com que as gravadoras tenham reduzido seus catálogos. Ortellado acredita que o espaço para exposição dos produtos tenham sido reduzidos, de forma que os hipermercados pressionaram as gravadoras para mandar um número menor de produtos. No entanto, dados apresentados pela International Intellectual Property Alliance (IIPA) mostram que a indústria brasileira perdeu 1.068 milhões de dólares com a pirataria em 2008.

A internet, ao mesmo tempo, possibilita que os próprios artistas divulguem suas canções, sem ter que passar pelo intermédio das grandes empresas. No circuito dito independente isso gerou um fenômeno inédito: a variedade de músicas, CDs e artistas que circulam na Web aumentou exponencialmente. Por outro lado, aponta Salinas, o mercado online pode gerar uma concentração ainda maior no “mainstream”.

Isso porque, para render lucros, a venda digital deve ser feita de forma massiva. Para obter um volume de vendas maior, são necessárias fusões, segundo o advogado, como a BMG e Sony, que tentaram se fundir em 2004. “A grande questão é a escala, no comércio eletrônico. Você precisa ter muito conteúdo. Ao mesmo tempo, ele permite muita música de nicho”, diz Salinas.

“Expor a música na Web incentiva o fã a baixar de graça, e aí você cria um fã fiel. Depois você tira o recurso do show”, expõe Ortellado, indicando um modelo possível de exploração desse meio. Mas, para Salinas, o Brasil ainda não encontrou um formato adequado para ganhar dinheiro com a música digital.  “Eu não acho que o caminho das gravadoras americanas de processar consumidor é correto. Mas algum caminho deve ser encontrado, porque a internet é espaço econômico”, afirma o advogado.

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