domingo, 18 de setembro de 2011

“Juntos somos uma potência”, diz secretária-geral da Unasul

Em entrevista ao jornal Página/12, a secretaria geral da União Sulamericana de Nações, Maria Emma Mejía, destaca a posição de força do bloco frente à crise econômica mundial. "Somos países importantes, mas juntos somos uma potência. E hoje, especialmente, frente à conjuntura mundial, frente uma nova crise, as atitudes de cooperação não só não se enfraquecem, como se fortalecem", afirma Mejía.  

Martín Granovsky - Página/12

Maria Emma Mejía, colombiana de Medelin e secretária geral da União Sulamericana de Nações (Unasul), esteve em Buenos Aires para falar no IV Congresso Iberoamericano de Cultura, de Mar del Plata, e conversou com o jornal Página/12 sobre a posição do bloco sulamericano frente à crise mundial e sobre porque as boas relações entre seus integrantes vão para além do pragmatismo.

Do congresso participou também, entre outros, o assessor de Néstor Kirchner na secretaria da Unasul até a morte do ex-presidente argentino, Rafael Follonier, em uma mesa sobre desafios da integração, moderada pelo jornalista Eduardo Anguita, e da qual também participaram o especialista equatoriano em nova arquitetura financeira, Pedro Páez Pérez, o filósofo cubano Ismael González e o dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores, Valter Pomar. “Este é o único território do mundo em paz e com paz, esta é a nossa América do Sul, onde nossos chefes de Estado compreenderam que é possível nossa almejada integração”, disse Follonier em Mar del Plata.

O que mudou desde que assumiu a secretaria da Unasul até hoje? – perguntou o Página/12 a Maria Emma Mejía?

Assumi em maio passado e em junho cheguei à sede em Quito. Alguns dos temas iniciais sobre a Unasul permaneceram, como a necessidade de dotar o bloco de maior institucionalidade, mas outras questões ganharam espaço: o mundo todo mudou. Quando a América do Sul começava a entrar em sua melhor década, o resto do mundo desmoronou. O conjunto que é preciso analisar é o que ocorre nos Estados Unidos, na Europa, os Brics, as economias da Ásia que crescem...A vantagem é que os presidentes da Unasul se adiantam aos fatos.

De que modo?

São capazes de visualizar o futuro, dar lições na resolução de conflitos, em como adotar medidas de confiança, em como se atua socialmente. É evidente que falta muito o que fazer em termos sociais na América do Sul, mas temos feito avanços significativos. Uma terça parte da população experimentou certa mobilidade social. É neste ponto da evolução da América Latina que deve ser avaliado mundo e seus novos problemas. A crise financeira de 2008 foi se convertendo em um outro tipo de crise. E os presidentes da América do Sul reagiram imediatamente. Perceberam uma situação de risco e se colocaram em alerta. Mas, ao mesmo tempo, não deixaram pendentes os temas da integração real.

Quais seriam os mais importantes?

No dia 30 de novembro, em Brasília, apresentaremos o novo mapa da América do Sul em matéria de infraestrutura, o que vai acontecer na região na próxima década se realizarmos essas obras. Já não é o olhar imediato, do dia a dia, de resolver conflitos de curto prazo.

Qual é a ideia? Que é preciso começar finalmente?

Exato. É preciso ter um olhar conjunto e de longo prazo em infraestrutura, em telecomunicações, em energia. É como armar a casa e aproveitar a força de um conjunto de líderes sulamericanos como há muitos anos não tínhamos.

O que você descreve é um mundo perigoso e um processo de construção. É possível construir neste mundo?

É o que puderam vislumbrar as presidentas e os presidentes. Pela primeira vez a região é capaz de antecipar-se e de ajudar inclusive. Esse último fato é surpreendente. Já tivemos reuniões, uma delas em Buenos Aires, sobre temas econômicos e financeiros, com ministros e presidentes do Banco Central. Pudemos trocar experiências de política, podemos proteger as reservas, ser audaciosos em gerar novas formas, fortalecer mecanismos como a Corporação Andima de Fomento, o Fundo Latinoamericano de Reservas...É preciso inovar sem medo, sem dogmatismos e sem ideologizações. Ao invés de ver o mundo exterior como uma ameaça, queremos manter uma relação com ele a partir do que somos: uma zona de paz que preservamos em uma região que tem reservas alimentares e energéticas e que pretende desenvolver-se industrialmente ainda mais.

Se a América do Sul tem hoje essas vantagens e boa parte do mundo está em crise, uma tentação pode ser a passagem do perigo à paranoia...

Seria equivocado, mas isso se evita com visão estratégica. Por sorte, temos presidentes muito sólidos, o mesmo ocorrendo com nossos chanceleres. Não sei se é uma inspiração dos nossos bicentenários, mas a realidade é essa. Não é uma piada pensar que, quando Juan Manuel Santos vai a Ásia, ou quando Cristina Fernández vai a Paris, ou quando Dilma Rousseff fala da situação econômica mundial, explicam o que os países sulamericanos estão fazendo e por que estão indo tão bem nos últimos anos. Falam da importância do comércio com moedas próprias, das políticas sociais, da preocupação com o conjunto. São realidades, não paranoias.

Já que mencionou Santos (presidente da Colômbia), ele disse em Buenos Aires recentemente, durante visita oficial, que o presidente Hugo Chávez é um fator de estabilidade na Venezuela. Você o vê assim também?

Devo ser mais discreta que o presidente Santos, porque represento todos os países. Mas creio que há uma oportunidade na diversidade sulamericana. Quando, após a mediação do presidente Néstor Kirchner como secretário da Unasul, Chávez e Santos reataram relações e empreenderam um processo de cooperação intenso, não fizeram isso, como às vezes escuto, por pragmatismo. Foi uma atitude de maturidade política de ambos. A diversidade passa a ser um valor no mapa político, não um problema. Trata-se de construir respeito mútuo, do mesmo modo que ocorreu entre o presidente Santos e o presidente Rafael Correa, do Equador. É preciso acreditar naqueles que acreditam no bem maior, que é precisamente a integração.

Vivemos na mesma região. Somos países importantes, mas juntos somos uma potência. E hoje, especialmente, frente à conjuntura mundial, frente uma nova crise, as atitudes de cooperação não só não se enfraquecem, como se fortalecem. É claro que há diferenças, mas os presidente se reúnem, discutem, as resolvem e se fortalecem em torno dos objetivos comuns. Por isso afirme, em minha apresentação em Mar del Plata, que somos um poder emergente com valores compartilhados, com aproximação inclusive em questões de defesa comum e uma visão que procura chegar, no mínimo, a 2030.

Tradução: Katarina Peixoto

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