segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A carta do PT e a carta de Foz

Alberto Perdigão - jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade

Escreve sobre políticas de comunicação e comunicação na política e Colunista do Blog da Dilma - aperdigao@terra.com.br

É preocupante que a três dias da abertura do Primeiro Encontro Mundial de Blogueiros, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (PT), ainda não tenha confirmado sua participação no debate de encerramento, sobre A Luta pela Liberdade de Expressão e pela Democracia da Comunicação. O encontro, que será realizado de 27 a 29 próximos, terá como tema central O Papel da Blogosfera na Construção da Democracia, pauta que se reveste da maior importância, agora que estamos a um ano das eleições nos mais de 5.500 municípios de um país que ainda resiste discutir um novo marco regulatório para as comunicações.


O evento é promovido pelo Instituto Barão de Itararé, que atua no campo do socialismo democrático, e tem o apoio de organismos interessados. Entre os convidados já confirmados estão referências em todo o mundo, como o criador do Le Monde Diplomatique e autor do livro A Explosão do Jornalismo, Ignácio Ramonet, o porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, jornalistas e blogueiros Luis Nassif e Altamiro Borges, entre muitos outros. Se bem que a força do encontro se verá na pluralidade do público, de todo os estados e de diversos países, principalmente dos vizinhos do Mercosul.

Se não tiver nada mais importante para fazer numa sábado à tarde, o ministro Bernardo terá muito a dizer a um auditório lotado de brasileiros e estrangeiros militantes da ciberdemocracia, na blogosfera, essa novíssima esfera pública política de informação e expressão, de problematização e deliberações coletivas. Gostaria particularmente de ouvir o ministro, para tentar entender as distâncias que separam, ou aproximam, o discurso do PT enquanto partido e as práticas do PT como governo; os projetos do PT do Poder Executivo e os interesses de sua bancada de sustentação no Congresso.

O encontro do movimento das mídias sociais identificadas como progressistas, é bom atentar, é o primeiro evento que pode ganhar visibilidade política – e o bombardeio - das mídias tradicionais do país, depois do 4º. Congresso Nacional Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, realizado em setembro, em Brasília. A carta que o partido produziu, há quase dois meses, ainda não encontrou coro no parlamento de tantos empresários de comunicação e, ao que parece, também não ecoou entre o Palácio do Planalto e o Ministério das Comunicações de tantos políticos em busca de um mandato.

Vamos relembrar alguns pontos da carta, de apenas dois parágrafos do item que trata dos “desafios do momento”, onde a democratização dos meios de comunicação aparece como “tema relevante e um objetivo comum” para o PT e para os movimentos sociais. “É urgente abrir o debate no Congresso Nacional sobre o marco regulador da comunicação social - ordenamento jurídico que amplie as possibilidades de livre expressão de pensamento e assegure o amplo acesso da população a todos os meios - sobretudo os mais modernos como a internet”, afirma inicialmente o partido, com inquestionável clareza.

A carta condena o Projeto de Lei 84/99, o chamado AI-5 digital, que tramita no Senado Federal, onde surgiu, o qual reprimiria a livre expressão na blogosfera. Afirma o documento que “é questão de princípio repudiar, repelir e barrar qualquer tentativa de censura ou restrição à liberdade de imprensa”. E, em seguida, na linha contrária, defende o que as empresas de comunicação consideram censura: que a “imprensa marrom de certos veículos, que às vezes chega a práticas ilegais, deve ser responsabilizada toda vez que falsear os fatos ou distorcer as informações para caluniar, injuriar ou difamar”.

Algumas contradições à parte, melhor seria se o PT e o governo rompessem seus medos e pautassem o tema da democratização dos meios na sociedade e no Congresso, nos meios de comunicação e nas instâncias capilares do Partido. Afinal, não haverá consensos, acordos nem a construção de um marco regulatório sem haver, antes, a circulação da boa informação sobre o que é controle e o que é censura, sem haver antes a formação de uma nova opinião pública. Não haverá nenhuma liberdade concedida – assim nos ensina a História - por quem sonega a função social da propriedade e a função política da informação, por quem nega o direito à voz e a todo tipo de expressão.

Voltemos à carta do Congresso do PT, quando afirma que “A inexistência de uma Lei de Imprensa, a não regulamentação dos artigos da Constituição que tratam da propriedade cruzada de meios, o desrespeito aos direitos humanos presente na mídia, o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos tolhem a democracia, silenciam vozes, marginalizam multidões, enfim criam um clima de imposição de uma única versão para o Brasil”. O discurso é perfeito, é oportuno, é animador, mas ainda não está na boca dos filiados e da militância do partido que “luta por um marco regulatório capaz de democratizar a mídia no País”.

Nos municípios e nos Estados, petistas ocupam posições de mando nos governos ou participam indiretamente deles. Mas, regra geral, adiam dar o bom exemplo, no sentido da democratização da comunicação e da promoção do caráter públicos dos meios públicos, como emissoras de rádio e televisão, de jornais, revistas e websites. Seguindo a orientação do partido, poderiam servir de modelo, criando conselhos de comunicação municipais e estaduais, instalando conselhos curadores e de conteúdo nas emissoras e outras mídias públicas, realizando conferências, contribuindo, enfim, para a construção de uma cultura da comunicação democrática.

Tomara que o ministro Paulo Bernardo participe de Encontro - afinal é um encontro. Assim poderá discutir o tema com blogueiros que, no pensamento do ex-presidente Lula da Silva, deram uma grande contribuição na eleição da presidente Dilma Roussef e que dão uma grande contribuição à democracia deste país. Poderá ouvir a experiência da ministra das Comunicações do Peru, Blanca Josales, do ex-ministro das Comunicações da Venezuela, Jesse Chacón, e de um um dos membros da comissão que elaborou a Lei dos Meios da Argentina, Damian Loreti, os quais estariam com Bernardo na mesa do debate de encerramento.

Depois do debate, uma carta será elaborada pelos blogueiros. Nela constarão as mesmas questões que a sociedade tenta pauta nas instâncias de discussão e deliberação dos governos, parlamentos e tribunais. Mais interessante, talvez, seja observar o tom da Carta de Foz. Nas entrelinhas, certamente estarão diluídas a esperança e a paciência que o movimento progressista dos blogs ainda depositam no PT e partidos da base aliada, na gestão lenta e conciliadora de Paulo Bernardo e Dilma Roussef. A manifestação poderá antever muito do futuro da luta pela democratização da comunicação. Afinal, as cartas não mentem jamais.

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