segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A criança, o arcebispo, o poeta e o chargista

Por DiAfonso

A excomunhão da mãe e da equipe médica que realizou o aborto na criança de 9 anos, vítima de estupro pelo padrasto, em Alagoinhas-PE, foi anunciada de forma precipitada e irresponsável pelo arcebispo de Olinda e Recife dom José Cardoso Sobrinho. O anúncio produziu estragos na relação entre a Igreja Católica e segmentos da sociedade civil organizada (alguns católicos apostólicos romanos, por dever de obediência e fé (?!?!) silenciam ante o fato... Não discuto esta forma de omissão).

Pergunto a dom José: a tal pena, prescrita no Código de Direito Canônico* e aplicada aos envolvidos, não produz também, e novamente, uma violência contra esta criança indefesa, ultrajada e vilipendiada pela própria situação a que foi submetida (ou como bem diz o poeta Miguezim de Princesa:"...vítima de um estuprador, / Massacrada e abusada, / Sofrida e violentada, / Sem futuro e sem amor...")? Seu frágil corpo não foi alvo de sevícias abomináveis? Todos os que se envolveram no episódio, a fim de clamar pela vida da garotinha, não deveriam ter merecido a complacência de um ser terreno, ainda que investido de um suposto poder divino?

Mas não foi o que ocorreu. O que se viu foi um sujeito anacrônico, sem o equilíbrio necessário ao poder que lhe foi investido, achando que poderia fazer o que fez, apoiado no Código de Direito Canônico (ali tem a mão de Deus, dom José?!?! O senhor sabe que NÃO!) e dizer o que disse (ao menos o senhor perguntou se a mãe e a equipe médica eram católicos?!).

Melhor fez o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Antônio Muniz, cujo pronunciamento se revestiu de um certo bom-senso. Segundo dom Antônio, inclusão deve estar na ordem do dia e das relações sociais no Brasil. Sabiamente, ele nos diz: "...ao invés de pensar em excomunhão, penso sempre na inclusão. Incluir a todos e a todas na luta pela vida para dar esperança à nossa sociedade". Faltou a dom Antônio dizer apenas que a luta deveria ser, neste caso específico, pela vida de uma criança grávida de gêmeos, com apenas 9 anos de idade, e que correria risco de vida se não houvesse a adequada e necessária intervenção médica no sentido de pôr em prática o processo abortivo**.

Se, ao menos, o senhor, dom José Cardoso, tivesse tido a prudência e a humildade em se certificar da opção religiosa dos envolvidos, mãe e equipe médica... No entanto, o senhor não o fez... Foi uma pena...!

Que falta faz um dom Hélder!... Fico a imaginar como seria a atitude do Dom da Paz diante desta situação... Parece que estou vendo seu semblante fraterno, cordial e ouvindo sua voz mansa, porém cheia de sabedoria, ecoando pelos quatro cantos do mundo: "Cuidemos dessa criança de 9 aninhos apenas... apenas 9 aninhos... e que já sofreu demais... Ah que sofrimento, Meu Deus! Pai da compaixão! Pai da misericórdia! Se pecado houver neste aborto, falo com Deus... Falo com Deus e tudo se resolve." Assim, possivelmente, teriam sido as palavras de Dom Hélder. Diferente das palavras cheias de autoritarismo, arrogância e pouco fraternas vindas do senhor, dom José Cardoso, o "Dom da Discórdia".

Aos que foram excomungados minha irrestrita solidariedade!

A CRIANÇA



O ARCEBISPO



O POETA

A EXCOMUNHÃO DA VÍTIMA 

Miguezim de Princesa  

Peço à musa do improviso 
Que me dê inspiração, 
Ciência e sabedoria, 
Inteligência e razão, 
Peço que Deus que me proteja 
Para falar de uma igreja 
Que comete aberração.

II 
Pelas fogueiras que arderam 
No tempo da Inquisição, 
Pelas mulheres queimadas 
Sem apelo ou compaixão, 
Pensava que o Vaticano 
Tinha mudado de plano, 
Abolido a excomunhão.  

III 
Mas o bispo Dom José, 
Um homem conservador, 
Tratou com impiedade 
A vítima de um estuprador, 
Massacrada e abusada, 
Sofrida e violentada, 
Sem futuro e sem amor.  

IV 
Depois que houve o estupro, 
A menina engravidou. 
Ela só tem nove anos, 
A Justiça autorizou 
Que a criança abortasse 
Antes que a vida brotasse 
Um fruto do desamor.  

O aborto, já previsto 
Na nossa legislação, 
Teve o apoio declarado 
Do ministro Temporão, 
Que é médico bom e zeloso, 
E mostrou ser corajoso 
Ao enfrentar a questão.  

VI 
Além de excomungar 
O ministro Temporão, 
Dom José excomungou 
Da menina, sem razão, 
A mãe, a vó e a tia 
E se brincar puniria 
Até a quarta geração.  

VII 
É esquisito que a igreja, 
Que tanto prega o perdão, 
Resolva excomungar médicos 
Que cumpriram sua missão 
E num beco sem saída 
Livraram uma pobre vida 
Do fel da desilusão.  

VIII 
Mas o mundo está virado 
E cheio de desatinos: 
Missa virou presepada, 
Tem dança até do pepino, 
Padre que usa bermuda, 
Deixando mulher buchuda 
E bolindo com os meninos.  

IX 
Milhões morrendo de Aids: 
É grande a devastação, 
Mas a igreja acha bom 
Furunfar sem proteção 
E o padre prega na missa 
Que camisinha na lingüiça 
É uma coisa do Cão.  

E esta quem me contou 
Foi Lima do Camarão: 
Dom José excomungou 
A equipe de plantão, 
A família da menina 
E o ministro Temporão, 
Mas para o estuprador, 
Que por certo perdoou, 
O arcebispo reservou 
A vaga de sacristão.

(enviado por Marcella Mostaert)  

O CHARGISTA


Dom José Cardoso Sobrinho, sou católico e EXIJO que estenda a excomunhão a mim também pela solidariedade que presto à mãe e à equipe médica. Eu o estou desafiando a anunciar publicamente a minha excomunhão. Não diga: "Estendo a todos a excomunhão". Nomei-me. Aguardo... Se não o fizer, passarei a considerá-lo uma pessoa de alma pusilânime. Falo com Deus depois.

________________

* Cân, 1398 - Qui abortum procurta, effectu secuto, in escommunicationem latae sententiae incurrit (Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae (dada frase)). Isso é legalismo humano, dom José! Há casos e casos. O aborto deve ser abominado, pois se trata de vida humana sendo ceifada. Contudo, neste caso não, dom José Cardoso Sobrinho!  

O Cânon 1311 dispõe que "A igreja tem o direito nativo e próprio de punir com sanções penais os fiéis delinquentes". Como posso, simplesmente, chamar quem incorre em suposto pecado de delinquente sem ao menos lhe dar a oportunidade de se explicar, dom José Cardoso Sobrinho? É neste "direito nativo" em que o senhor se apoia?!?! Estreitismo e fundamentalismo religioso, dom José Cardoso Sobrinho!  

O cânon 1323, do referido Código de Direito Canônico, ainda estabelece que os fiéis que, sem culpa, ignoram estar violando uma lei ou preceito não são passíveis de nenhuma pena. É o caso da menina (se ela for católica, dom José Cardoso Sobrinho. Se não for, não "inflói e nem contribói".) Quanto à mãe e à equipe médica, as razões para a não-punição dizem respeito à preservação da vida da garotinha.   

** O Código Penal brasileiro prevê detenção de 1 a 10 anos para crime contra a vida (o aborto é tipificado como "crime contra a vida"). Entretanto, no mesmo Código Penal, o artigo 128 dispõe que não se pune o crime de aborto se houver as seguintes hipóteses: 1. quando não há outro meio para salvar a vida da mãe. 2. quando a gravidez resulta de estupro. Esta é a situação da criança que foi submetida ao processo abortivo, dom José. Esta é a situação que salvaguarda a conduta da equipe médica, dom José.

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