Por DiAfonso
O artigo que se segue foi publicado no Blog do Noblat com o título "Quid est veritas?" [O que é a verdade?].
Podemos, sim, considerar que "A memória [venha] do coração". Mas isso ocorre apenas no plano simbólico. Quando o simbolismo - que emana dessa, por assim dizer, "memória cardíaca" - se transmuda em verdadeira dor sofrida no corpo torturado, não há como esquecer o imperativo desejo de reparação. Reparação não é revanche.
No caso do Brasil e de outros países da América Latina, particularmente, o que se viu foi um ferocidade inumana e cruel contra os que se opunham à quebra do estado de direito democrático.
Foi um covarde golpe de estado que usurpou direitos e garantias da população e, portanto, instaurou o "conflito". A incompatibilidade, aí, veio de uma elite sedenta pelo poder e que não soube conviver com o regime democrático reinante. O "conflito" foi maliciosamente construído - com ajuda externa - a fim de que se criasse um "álibi" para a tomada do poder. E, como se viu, a brutalidade e a covardia deram o tom para "resolver" esse "conflito".
Focar no futuro sem rever o passado, corrigindo-lhe as injustiças, torna esse mesmo futuro um ente deformado cujo temor de se olhar no espelho da história será sua marca inapagável.
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Por Elton Simões*
A memoria [sic]* humana é imprecisa, arredia, escorregadia e traiçoeira. Com
muito esforço, ela pode aprender a se lembrar. Jamais aprende a
esquecer. Memoria [sic] não é uma coleção organizada de fatos. Não é catalogo [sic]
objetivo de eventos, datas e lugares. Memoria [sic] é o que é lembrado, e,
portanto, seu conteúdo depende daquele que lembra. A memoria [sic] vem do
coração.
Conflitos acontecem quando pessoas ou grupos acreditam
que seus valores, identidades e interesses são incompatíveis com aqueles
de outras pessoas ou grupos. A percepção dessas incompatibilidades
viram ações. As ações viram memorias [sic]. As memorias [sic] se transformam em
certezas. E as certezas realimentam os conflitos.
Não existe
maneira de resolver pacificamente um conflito sem ajustar as contas com o
passado. Comissões de Verdade operam com a ideia de que a construção da
paz requer reconciliar as memorias [sic] dos grupos em conflito e construir
uma narrativa comum sobre o que ocorreu. Ou seja, transformar a memoria [sic]
sem esquecer o passado.
Existe certo consenso de que a Comissão de
Verdade mais bem-sucedida da historia [sic] foi a Comissão de Verdade e
Reconciliação realizada na África do Sul logo após o fim do regime de
“Apartheid”. Parece que, entre as principais razões do sucesso dessa
comissão de verdade, está o fato de que ela tinha um objetivo muito bem
definido: a reconciliação.
Na África do Sul a Comissão de Verdade e
Reconciliação não focou na punição daqueles que participaram do
conflito, independentemente do lado em que estavam. Ao contrario, [sic] ela
ofereceu, para as vitimas [sic] e agressores e/ou suas famílias, as condições
necessárias à reconciliação com os seus respectivos passados.
Ela
focou no futuro. Apostou na paz e na restauração do relacionamento entre
grupos que, no passado recente, eram inimigos. Ela tornou possível a
convivência pacifica [sic] entre estes grupos em um mesmo país.
Em um
país onde se cometeram violências inimagináveis devido à existência de
um regime politico [sic] injusto, a Comissão de Verdade e Reconciliação
Sul-Africana focou na criação de uma verdade coletiva que podia ser
compartilhada e aceita por todos os grupos e indivíduos envolvidos no
conflito.
Comissões de Verdade bem sucedidas são instrumentos de
construção de paz e não de revanche. Para que funcionem, elas precisam
que cada um dos lados envolvidos no conflito contribua com a sua versão.
Conhecer
a verdade é superar o passado e olhar para o futuro. É apostar na
reconciliação, e através dela, cicatrizar as feridas. Conhecer a verdade
liberta.
*Elton Simoes mora no Canada
há 2 anos. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV);
MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of
Victoria). Email: esimoes@uvic.ca.
*[sic] - Aqui, apenas, um dado curioso e um pergunta dele derivada: a falta de acentuação em algumas palavras. A que se deveu esta frequência? Será que o articulista, por morar há dois anos no Canadá, esqueceu-se do sistema de acentuação gráfica da língua portuguesa?
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