Dilma deu um tapa na mesa.
- Não é possível. Até o iogurte está ruim!
Não
era a primeira vez que a presidente explodia assim, no café da manhã.
Ou era um mamão papaia passado. Ou era um croissant farelento. Ou a
manteiga rançosa. Agora, o iogurte. Como era possível? Até o iogurte
estragado!
- Joguem no lixo - ordenou Dilma. E perguntou: - Quem é o responsável pelo meu café da manhã?.
Chamaram o responsável pelo café da manhã.
-
Olhe aqui, meu amigo - disse Dilma. - Eu já aguentei demais. Durante um
ano, aguentei abacaxi fora de época. Pão duro. Ovo sem gosto. Bacon
gordo. Aguentei tudo, sempre imaginando que no dia seguinte iria
melhorar. Mas não melhorou. E hoje chegou ao cúmulo. O iogurte estava
estragado. Iogurte já é leite estragado, se estragar mais fica
intragável. É o estragado do estragado. E hoje conseguiram me dar até
iogurte estragado.
- É que, é que...
- É que o quê? Fale homem!
- É que não sou eu que faço as compras, dona Dilma.
- Quem é, então?
- É um grupo.
- Um grupo?!
* * *
Era
um grupo. Ou, como eles preferiam se chamar, uma aliança. Todas as
manhãs, várias pessoas embarcavam em carros oficiais no Planalto e iam
às compras. Cada uma levava a sua lista de compras. E cada uma tinha seu
fornecedor favorito. O caso do mamão papaia era típico. Não compravam o
mamão papaia mais bonito e melhor. Não interessava a qualidade do mamão
papaia, interessava que o dono da fruteira era do mesmo partido, além
de primo, de um membro do grupo - que não aceitava outro mamão papaia na
mesa da presidente a não ser o do seu primo. E assim acontecia com o
croissant, com o pão e a manteiga, com os ovos, com o bacon...
- E o iogurte? Por que o iogurte ficou ruim de repente?
* * *
A
explicação era que o iogurte mudara, por assim dizer, de patrocinador.
Passara a ser importado de uma cidadezinha no interior de Minas, onde o
afilhado de um dos membros da aliança era candidato à prefeitura e
precisava de apoio. A viagem do interior de Minas a Brasília era longa, o
iogurte não vinha bem acondicionado, era natural que estragasse...
* * *
Dilma deu outro tapa na mesa . Aquilo tinha que acabar.
- Vou eu mesmo fazer as compras!
Mandou
desfazer a tal aliança e no outro dia foi vista num supermercado
enchendo o carrinho com produtos para o seu café da manhã, escolhidos
com muito cuidado. Demorou-se no exame do mamão papaia, cheirando-o e
apalpando-o até ficar satisfeita de que era o que queria. Comentou com
quem a acompanhava que aquilo lhe dera uma ideia para a escolha -
pessoal, sem ouvir palpite de ninguém - dos seus novos ministros, quando
fizesse a reforma.
- Você vai cheirá-los e apalpá-los até ficar satisfeita?
- Metaforicamente, sim.
Luís Fernando Veríssimo
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