'Estou vendo a serpente nascer, não posso calar', diz Eliana Calmon
Após ataques de ministro do Supremo, corregedora nacional da Justiça afirma que não irá esmorecer na investigação do Judiciário
SÃO PAULO - Alvo de 9 entre 10 juízes, e também do ministro Marco
Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que não aceitam seu
estilo e determinação, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional da
Justiça, manda um recado àqueles que querem barrar seu caminho. "Eles
não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir."
Na noite desta segunda feira, 9, o ministro do STF disparou a
mais pesada artilharia contra a corregedora desde que ela deu início à
sua escalada por uma toga transparente, sem regalias.
No programa Roda Viva, da TV Cultura, Marco Aurélio partiu para o tudo ou nada ao falar sobre os poderes dela no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Ela tem autonomia? Quem sabe ela venha a substituir até o Supremo."
Ao Estado, a ministra disse que seus críticos querem ocultar mazelas do Judiciário.
Estado: A sra. vai esmorecer?
MINISTRA ELIANA CALMON: Absolutamente, pelo
contrário. Eu me sinto renovada para dar continuidade a essa caminhada,
não só como magistrada, inclusive como cidadã. Eu já fui tudo o que eu
tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu
tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar.
ESTADO: Os ataques a incomodam?
ELIANA CALMON: Perceba que eles atacam e depois
fazem ressalvas. Eu preciso fazer alguma coisa porque estou vendo a
serpente nascer e eu não posso me calar. É a última coisa que estou
fazendo pela carreira, pelo Judiciário. Vou continuar.
ESTADO: O que seus críticos pretendem?
ELIANA CALMON: Eu já percebi que eles não
vão conseguir me desmoralizar. É uma discussão salutar, uma discussão
boa. Nunca vi uma mobilização nacional desse porte, nem quando se
discutiu a reforma do Judiciário. É um momento muito significativo. Não
desanimarei, podem ficar seguros disso.
ESTADO: O ministro Marco Aurélio deu liminar em mandado de segurança e travou suas investigações. Na TV ele foi duro com a sra.
ELIANA CALMON: Ele continua muito sem focar
nas coisas, tudo sem equidistância. Na realidade é uma visão política e
ele não tem motivos para fazer o que está fazendo. Então, vem com uma
série de sofismas. Espero esclarecer bem nas informações ao mandado de
segurança. Basta ler essas informações. A imprensa terá acesso a essas
informações, a alguns documentos que vou juntar, e dessa forma as coisas
ficarão bem esclarecidas.
ESTADO: O ministro afirma que a sra. violou
preceitos constitucionais ao afastar o sigilo de 206 mil investigados de
uma só vez e comparou-a a um xerife.
ELIANA CALMON: Ficou muito feio, é até descer um
pouco o nível. Não é possível que uma pessoa diga que eu violei a
Constituição. Então eu não posso fazer nada. Não adianta papel, não
adianta ler, não adianta documentos. Não adianta nada, essa é a visão
dele. Até pensei em procura-lo, eu me dou bem com ele, mas acho que é um
problema ideológico. Ou seja, ele não aceita abrir o Judiciário.
ESTADO: O que há por trás da polêmica sobre sua atuação?
ELIANA CALMON: Todo mundo vê a serpente
nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma
serpente está nascendo. Os tempos mudaram e eles não se aperceberam, não
querem aceitar. Mas é um momento que eu tenho que ter cuidado para não
causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele (STF) decida sem
dizer, 'ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona, é
midiática'. Então eu estou quieta. As coisas estão muito claras.
ESTADO: A sra. quebrou o sigilo de 206 mil magistrados e servidores?
ELIANA CALMON: Nunca houve isso, nunca houve
essa história. Absolutamente impossível eu pedir uma quebra de sigilo
de 206 mil pessoas. Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso
fosse possível. É até uma insanidade dizer isso. O Conselho de Controle
de Atividades Financeiras (Coaf) age com absoluta discrição, como se
fosse uma bússola. Aponta transações atípica. Nunca ninguém me informou
nomes, nada. Jamais poderia fazer uma quebra atingindo universo tão
grande. Mas eu tenho anotações de alguns nomes, algumas suspeitas.
Então, quando você chega num tribunal, principalmente como o de São
Paulo, naturalmente que a gente já tem algumas referências, mas é uma
amostragem. Não houve nenhuma devassa, essa é a realidade.
ESTADO: A sra. não tinha que submeter ao colegiado o rastreamento de dados?
ELIANA CALMON: O regimento interno do CNJ é claro.
Não precisa passar pelo colegiado, realmente. E ele (ministro Marco
Aurélio) deu a liminar (ao mandado de segurança)e não passou pelo Pleno
do STF. E depois que eu fornecer as informações ao mandado de segurança e
depois que eu der resposta à representação criminal ficarei mais
faladora. Estou muito calada porque acho que essas informações precisam
ser feitas primeiro. Eu não vou deixar nada sem os esclarecimentos
necessários.
ESTADO: Duas liminares, dos ministros Marco
Aurélio e Ricardo Lewandowski, ameaçam o CNJ. A sra. acredita que elas
poderão ser derrubadas pelo Pleno do STF?
ELIANA CALMON: Esperança eu tenho. Agora,
tradicionalmente o STF nunca deixou o seu presidente sem apoio, nunca.
Todas as vezes eles correram e conseguiram dar sustentação ao
presidente. Qual é a minha esperança: eu acho que o Supremo não é mais o
mesmo e a sociedade e os meios de comunicação também não são mais os
mesmos. Não posso pegar exemplos do passado para dizer que não acredito
em uma decisão favorável. Estamos vivendo um outro momento. Não me enche
de esperanças, mas dá esperanças para que veja um fato novo, não como
algo que já está concretizado. Tudo pode acontecer.
ESTADO: O ministro Marco Aurélio diz que a competência das Corregedorias dos tribunais estaduais não pode ser sobrepujada pelo CNJ.
ELIANA CALMON: Tive vontade de ligar, mandar
um torpedo (para o programa Roda Viva) para dizer que as corregedorias
sequer investigam desembargador. Quem é que investiga desembargador? O
próprio desembargador. Aí é que vem a grande dificuldade. O grande
problema não são os juízes de primeiro grau, são os Tribunais de
Justiça. Os membros dos TJs não são investigados pelas corregedorias. As
corregedorias só tem competência para investigar juízes de primeiro
grau. Nada nos proíbe de investigar. Como juíza de carreira eu sei das
dificuldades, principalmente quando se trata de um desembargador que tem
ascendência política, prestígio, um certo domínio sobre os outros.
ESTADO: A crise jogou luz sobre pagamentos milionários a magistrados.
ELIANA CALMON: Essas informações já vinham vazando
aqui e acolá. Servidores que estavam muito descontentes falavam disso,
que isso existia. Os próprios juízes falavam que existia. Todo mundo
falava que era uma desordem, que São Paulo é isso e aquilo. Quando eu
fui investigar eu não fui fazer devassa. São Paulo é muito grande, nunca
foi investigado. Não se pode, num Estado com a magnitude de São Paulo,
admitir um tribunal onde não existe sequer controle interno. O controle
interno foi inaugurado no TJ de São Paulo em fevereiro de 2010. São
Paulo não tem informática decente. O tribunal tem uma gerência péssima,
sob o ponto de vista de gestão. Como um tribunal do de São Paulo, que
administra mais de R$ 20 bilhões por ano, não tinha controle interno?
ESTADO: Qual a sua estratégia?
ELIANA CALMON: Primeiro identificar a fonte
pagadora em razão dessas denúncias e chegar a um norte. São Paulo não
tem informática decente. Vamos ver pagamentos absurdos e se isso está no
Imposto de renda. A declaração IR até o presidente da República faz,
vai para os arquivos da Receita. Não quebrei sigilo bancário de ninguém.
Não pedi devassa fiscal de ninguém. Fui olhar pagamentos realizados
pelo tribunal e cotejar com as declarações de imposto de renda. Coisa
que fiz no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e no tribunal
militar de São Paulo, sem problema nenhum. Senti demais quando se
aposentou o desembargador Maurício Vidigal, que era o corregedor do
Tribunal de Justiça de São Paulo. Um magistrado parceiro, homem sério,
que resolvia as coisas de forma tranquila.
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