Everton Rodrigues (@GnuEverton) (*)
Uma reivindicação começou a ser posta em prática há 24 anos em Porto
Alegre e foi sendo construída ao longo de quatro gestões consecutivas
(1989 a 2004) do PT frente à prefeitura da capital. O Orçamento
Participativo e os conselhos municipais ajudaram a construir uma
experiência de democracia participativa direta, uma democracia real que
se tornou referência internacional. A cidade tornou-se berço do Fórum
Social Mundial. Fazer essa experiência evoluir é um desafio permanente.
Hoje, tanto os movimentos árabes pela democracia, como Ocupa Wall Street
nos EUA e os “indignados” da Espanha também apontam as limitações e
insuficiências da democracia representativa e defendem uma democracia
real. A democracia liberal está em crise e o capital financeiro
restringe o exercício da própria democracia representativa.
As experiências de democracia participativa em momento algum se
propuseram a substituir a democracia representativa, mas sim aperfeiçoar
os mecanismos de decisão de interesse público possibilitando a
participação direta da população, superando todas as críticas que
tentaram colocar um modelo de democracia contra o outro. Da mesma forma,
nossos processos de participação digital não podem substituir fóruns de
participação presencial, espaços estes formadores da consciência cidadã
e de estímulo dos valores socialistas e da solidariedade.
O processo de democracia participativa, o Orçamento Participativo,
juntamente com os conselhos municipais em Porto Alegre, somente foram
possíveis a partir da disposição da população e também da demanda dos
movimentos sociais e populares organizados, partidos políticos de
esquerda e gestores públicos, que construíram as regras da participação e
foram modificando-as ao longo do tempo. Mas quais são os próximos
passos para fazer essa prática avançar?
Hoje, entre outras possibilidades, a internet aparece como uma
ferramenta poderosa para ampliar e aprimorar a participação presencial
(OP e conselhos temáticos e setoriais). Ela pode qualificar a
transparência e a mobilização popular para os fóruns presenciais a
partir da nossa experiência de participação em Porto Alegre.
Após a participação direta da população nas assembleias públicas do
OP e nas conferências temáticas e setoriais de tomadas de decisões das
prioridades das políticas públicas, a internet e os meios digitais podem
cumprir uma papel extraordinário para agilização de informação,
elaboração dos planos de investimentos e serviços, prestação de contas
entre o governo e os fóruns de conselheiros, delegados e população em
geral.
Os meios digitais também oferecem condições para a gestão democrática
e participativa dos serviços públicos nas áreas da saúde, educação,
gestão ambiental, limpeza urbana entre outros, que possuem recursos
consideráveis e que os cidadãos podem interagir durante a prestação dos
serviços numa via de duas mãos, governo e sociedade, com resultados para
a melhoria dos serviços e da transparência. Para isto, este processo
não pode ser somente consultivo, pois ele deve construir sistemas de
participação de rede digital e presencial onde as pessoas possam
praticar a cogestão entre governo e população.
Da mesma maneira que o Orçamento Participativo aperfeiçoou o sistema
democrático, as ferramentas digitais oferecem condições para criar um
processo de democracia em rede, conectado a ambientes interativos
permanentes (participação digital) e integrado ao sistema de democracia
participativa presencial.
Sem as facilidades de acesso, armazenamento e compartilhamento do
“mundo digital”, muitas vezes os inúmeros fóruns presenciais repetem
debates, sem considerar o acúmulo e a memória de discussões já
realizadas em outros espaços. Um debate presencial repetitivo torna seus
fóruns desestimulantes. Além disso, a complexidade e o caráter polêmico
de certos temas podem estender os debates por horas ou dias, sem
garantir espaço para que todas as posições se manifestem. A “vida
corrida” também impede inúmeras pessoas de participarem dos fóruns
presenciais.
É necessário envolver diferentes atores no ato de pensar a
emancipação, através de ambientes de participação em rede. Um sistema de
participação digital, se construído de forma colaborativa com a
sociedade e integrado a um sistema de participação popular presencial,
evoluirá para um sistema de participação em rede, que facilitará a
mobilização da inteligência coletiva social também através da internet.
Assim, todas as cidadãs e cidadãos que possuem algum tempo disponível em
períodos diferentes dos fóruns presenciais também poderão participar
dos debates, assim como interagir com participantes das instâncias
presenciais, e os debates poderão ser continuados, aprofundados e
sistematizados através da rede, qualificando e otimizando o tempo das
reuniões presenciais.
As ferramentas digitais devem também ser capazes de segmentar os
perfis dos participantes dos debates com a finalidade de aproximar
pessoas e coletivos com interesses semelhantes, para que se comuniquem,
criem e fortaleçam suas redes e também para os gestores públicos
estabelecerem uma comunicação adequada de acordo com o interesse dos
cidadãos.
Obviamente, muita coisa precisa ser feita para tornar esse objetivo
realidade. As classes C e D possuem índices baixos de acesso apropriado à
rede. Por isso, é necessário desenvolver um projeto de inclusão digital
como parte do sistema de participação em rede, que ofereça banda larga
gratuita de qualidade a todas as regiões da cidade e pontos de acesso
público (laboratórios das escolas, lan houses, telecentros e pontos de
cultura).
Mesmo com todos os limites da experiência do OP em Porto Alegre (que
inspirou e foi modelo para centenas de experiências no mundo todo), é um
exemplo a ser considerado em qualquer nova experiência de participação,
justamente pela sua capacidade de gerar consciência política, e por ele
próprio ser um projeto pedagógico educacional para a cidadania.
Em nenhuma pesquisa de comportamento dos brasileiros nas mídias
digitais consta qualquer percentual sobre o uso das redes sociais para o
debate político, sobre políticas públicas, governos, e muito menos
sobre participação. Diante disto, um sistema de participação em rede
(integrando processos presenciais e digitais) deve também contar com um
projeto pedagógico de cidadania digital para ampliar a percepção das
potencialidades das novas tecnologias da informação. Assim, os
instrumentos interativos digitais serão capazes de aumentar as
contribuições e o envolvimento de cidadãs e cidadãos em rede (no
presencial e no digital) de forma complementar e contínuo para o
desenvolvimento e qualificação das políticas públicas.
A participação direta é uma das principais formas de combater a
alienação para promover uma cultura social solidária e justa, por isso,
deve ser considerada um bem comum, que todas as instituições
comprometidas com a democracia real devem construir e fortalecer.
Precisamos combinar/articular diferentes pontos entre si, tais como:
inclusão digital, banda larga, formação para cidadania digital, conexão
com os existentes fóruns presenciais, software livre, dados abertos e
ferramentas que facilitem pessoas com interesses comuns aproximarem-se
também através da internet, para assim desenvolvermos um projeto de
participação em rede. Levantei alguns que podem servir ao menos para
iniciarmos o debate e reflexões sobre o tema, ainda pouco discutido de
forma coletiva e participativa.
(*) Com colaborações de Eliane Silveira, Carlos Rosa, Ubiratan de Souza e Marco Weissheimer.
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