quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Juiz que prendeu Pinochet é banido por 11 anos pela Justiça espanhola

Baltasar Garzón ficou conhecido por conseguir a prisão de Augusto Pinochet

O Supremo Tribunal da Espanha condenou nesta quinta-feira o juiz Baltasar Garzón - conhecido internacionalmente por ter decretado a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet - a 11 anos de afastamento de sua profissão.  

Garzón, de 56 anos, foi condenado por abuso de autoridade sob acusações de ter ordenado escutas telefônicas ilegais entre advogados e réus em um caso de corrupção.

Não cabe recurso à sentença, segundo as agências internacionais, o que deve, na prática, pôr fim à carreira do juiz, que ganhou fama por encampar casos polêmicos internacionais relacionados a direitos humanos.

Em outro caso controverso que reabriu feridas da ditadura franquista (1936-1975), Garzón é processado por suposto abuso de poder ao investigar dezenas de milhares de assassinatos atribuídos a forças leais ao general Francisco Franco.

O juiz é acusado pela organização de extrema direita Manos Limpias (Mãos Limpas) de ter desconsiderado a Lei de Anistia local, de 1977.

O caso trouxe à tona resquícios do franquismo, reformatou antigas divisões na sociedade e possibilitou que familiares de desaparecidos levassem, pela primeira vez, seus dramas aos tribunais.

O juiz ainda responde a outros processo, que envolve o fato de ter conseguido patrocínio do Banco Santander para seminários que ministrou em Nova York.

Reações e apoios

O trabalho de Garzón sobre o franquismo gerou reações dos setores mais conservadores.

"Ao abrir essa investigação (sobre o franquismo), ele acabou por reeditar as duas Espanhas, situação que havia sido totalmente superada pela Constituição e pelos mais de 30 anos de democracia", disse o diretor da organização Manos Limpias, Miguel Bernad, à BBC Brasil.

Mas um grupo formado por artistas, intelectuais, familiares das vítimas do regime de Francisco Franco e partidos de esquerda foram às ruas declarar-lhe apoio.

"Esse processo contra Garzón é um aviso da direita espanhola, que tenta impor um limite à Justiça. Pode-se julgar crimes contra a humanidade ocorridos em outros países, mas não aqui", avalia, em entrevista à BBC Brasil, Rubén Fernández Casar, membro do partido Izquierda Unida, ao qual Garzón se aproxima ideologicamente.

Um grupo denominado "Solidários com Garzón" (www.solidarioscongarzon.com) organiza espetáculos artísticos e manifestações em apoio ao magistrado. Entre os que aderiram estão o cineasta Pedro Almodóvar e a atriz Pilar Bardem, mãe do também ator Javier Bardem.

Em resposta à condenação desta quinta-feira, o grupo escreveu em seu site que organizará uma manifestação em Madri.

Caso inédito

Garzón divide opiniões na sociedade espanhola
A ofensiva contra Garzón também reacendeu uma polêmica em relação ao tratamento judicial que deve ser dado aos crimes contra a humanidade. Entidades de defesa dos direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch, compartilham a ideia do magistrado de que os delitos contra a humanidade são permanentes e não devem ser abarcados pelas leis nacionais de anistia.

"Considerar ilegal sua tentativa de aplicar a jurisdição universal e de investigar crimes contra a humanidade é uma ameaça à independência da Justiça. Eles não são passíveis de prescrição", defende Reed Brody, observador da Human Rights Watch enviado a Madri, em entrevista à BBC Brasil.

"O judiciário precisa de juízes corajosos como ele, que mudou o mundo e derrubou muros de impunidade com seu trabalho, ao prender Pinochet e agir contra as ditaduras latinoamericanas", completa Brody.

Já o observador da Anistia Internacional, Ignacio Jovtis, destaca a atuação de Garzón como "pioneira na defesa da jurisdição universal".

"É escandaloso que um juiz seja processado por investigar crimes contra os direitos humanos. É o primeiro caso, no mundo, de que temos notícia", disse Jovtis à BBC Brasil.

Do banco dos réus, Garzón alegou que utilizou, em relação ao franquismo, os mesmos princípios que levaram à detenção de Pinochet, em 1998. Mas, ainda assim, a Suprema Corte acatou a acusação do grupo Manos Limpias e avalia se ele desconsiderou a anistia.

"Ele prevaricou, ultrapassou seus limites, pois existe a Lei de Memória Histórica que repara moral e economicamente os vencidos. Mas, como é de esquerda e se crê acima da Constituição, ditou a resolução contra o franquismo e por isso deve ser afastado dos tribunais para sempre", contesta Miguel Bernad, da Manos Limpias.

Testemunhas relatam crimes

O julgamento, no entanto, tomou um rumo inesperado para a acusação. A defesa apresentou familiares de vítimas do franquismo como testemunhas e elas relatam, pela primeira vez a um tribunal, as atrocidades do regime.

Uma senhora contou como seu pai foi torturado e morto por um oficial das forças armadas que, ainda por cima, leva no pulso o relógio da vítima. Um filho relembrou o assassinato do pai por ter dado pães e ovos a rebeldes. Um pesquisador contou como o Estado articulava esquadrões da morte.

A acusação alegou que o processo não trata disso e desqualificou os depoimentos, mas o juiz responsável autorizou a continuação dos testemunhos nesta semana.

"Ele atuou como sempre, de acordo com sua sensibilidade social", defende o advogado Manuel Gonzalez Alonso, amigo pessoal de Garzón, à BBC Brasil. Alonso crê que sua preocupação social vem de sua origem humilde - seu pai cultivou azeitonas e trabalhou como frentista num posto de gasolina.

"Baltasar abriu o processo porque foi procurado pelas famílias das vítimas e, como sempre, não teve medo", adicionou.

*Com reportagem de Vítor Rocha, de Madri para a BBC Brasil

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