Quanto vale a dignidade humana?
Os gastos da Prefeitura por cada animal que foi retirado do Pinheirinho é quase o dobro do valor da bolsa aluguel paga às famílias
Dora Martins*
Chega às raias do escárnio, ou da piada de mau gosto: Um cão de
estimação deixado por seu dono, no terreno do Pinheirinho, vale R$
900,00 por mês, para a prefeitura de São José dos Campos, enquanto cada
família desalojada de seu lar, sem eira nem beira, é agraciada com
míseros R$ 100,00, da mesma Prefeitura. É o que está no site do Uol,
para quem quiser conferir.
Então, para o administrador público, o
princípio da dignidade humana tem seu preço. Vejam lá: as famílias
despejadas de suas casas no Pinheirinho, em São José dos Campos, estão
em abrigos, perambulam pela cidade em busca de imóveis, cujo preço do
aluguel não é inferior a R$ 800, na média. Não tem eira, nem beira, nem
fiador, e, pois, não encontram quem os queiram como inquilino. Como
ajuda humanitária começaram a receber do governo do Estado, a título de
bolsa aluguel, o valor caprichado de R$ 400,00. A prefeitura de São José
dos Campos, também tão solidária, contribui com R$ 100,00, para essa
tal bolsa aluguel. E, assim, somando-se tudo, cada família receberá nos
próximos seis meses R$ 500,00/mês, para pagar um aluguel. Sem esquecer
que muitos terão que comprar seus bens móveis para substituir o que
ficou sob as pás dos tratores que limparam o terreno.
Ao mesmo
tempo, o município de São José dos Campos, a fim de evitar propagação
de doenças, abrigou os 240 animais que foram deixados no Pinheirinho e,
como não havia vagas suficientes no canil municipal, os cães estão muito
bem alojados num canil particular, chamado Animalis, que cobra preço de
mercado, em torno de míseros R$ 30,00 por dia, por animal, ou seja,
coisa de R$ 900,00 por mês, por cada bichinho. Defensores dos animais
podem ficar descansados: nota da prefeitura garante que "os animais
estão recebendo cuidados veterinários, alimentação, vermífugo e
vacinas". Já as crianças e idosos que foram arrancados de suas casas,
por certo, não estão tão bem. Deve haver criança sem alimentação
balanceada, sem cama confortável, sem escola e com verminose. E a
Prefeitura, que usa dinheiro público de modo atabalhoado, para dizer o
mínimo, ante o reclamo das famílias que sentem preconceito e rejeição na
hora de alugar um imóvel, está oferecendo a quem quiser uma "carta de
referência". Referência de quê?
De que são gente, de que, apesar
dos pesares valem mais que um cão, de quem dignidade, de que merecem
morar e pagar um aluguel com os quinhentos reais?! Se a notícia é mesmo
verdadeira, é escárnio e deboche que ferem ostensivamente a dignidade
humana. Se assim for, o município de São José dos Campos e o Estado de
São Paulo têm que responder por isso.
*Dora Martins é integrante da Associação Juízes para a Democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário