O Ministério Público Federal encaminhou recurso ontem à Justiça
Federal persistindo no pedido de abertura de processo criminal contra o
coronel reformado do Exército brasileiro Sebastião Curió Rodrigues de
Moura, por crimes de sequestro contra militantes comunistas feitos
prisioneiros durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na década de
70, no sul do Pará.
O recurso do MPF foi apresentado à Justiça Federal de Marabá e pode
ser encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região caso a
primeira instância não reconsidere a decisão do juiz João Otoni de
Matos, que negou seguimento ao processo no último dia 16 de março, dois
dias após a apresentação da denúncia.
No recurso, os procuradores da República Tiago Rabelo, André Raupp,
Ubiratan Cazetta, Felício Pontes Jr, Andrey Mendonça, Sergio Suiama e
Ivan Marx reafirmam a compreensão de que o processo contra Curió não
contradiz a Lei de Anistia e o julgamento sobre o tema no Supremo
Tribunal Federal.
Além disso, os procuradores ressaltam que a denúncia trata de crimes
contra a humanidade, reafirmam os argumentos da inicial e apontam
diversas lacunas na decisão judicial, que deixou de considerar
documentos constantes dos autos e não se pronunciou a contento, por
exemplo, sobre a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
que condenou o Brasil a apurar os crimes do Araguaia.
Desaparecimentos forçados
No recurso, o MPF diz que a decisão, presume a morte para fins penais, o que não é possível. Os procuradores citam documento da Advocacia-Geral da União juntado ao processo que informa: “as pesquisas realizadas durante as buscas a corpos de guerrilheiros no Araguaia indicam a possibilidade de alguns guerrilheiros estarem vivos, dentre eles Hélio Luiz Navarro e Antônio de Pádua Costa, duas das vítimas citadas na denúncia”.
Para o MPF, a Justiça Federal cometeu equívoco ao não analisar esse
documento e, mesmo assim, concluir que “não se tem notícia sequer de
esperança ou fundada suspeite de que algum dos inúmeros guerrilheiros
capturados na região do Araguaia durante o período da ditadura militar
possa ainda ser encontrado com vida”. Em virtude das informações da
AGU, a Polícia Federal inclusive foi acionada para investigar a
possibilidade dos guerrilheiros desaparecidos estarem vivos.
O MPF também cita carta do irmão da guerrilheira Maria Célia Corrêa,
a Rosinha, enviada aos procuradores da República em Marabá
recentemente. Na carta, Aldo Creder Corrêa diz:
Nossa família não acredita que a Maria
Célia está morta, até que se prove o contrário. Não descartamos a
hipótese de que ela possa estar viva; aliás, a incerteza de tudo que
foi ocultado dos familiares nos traz o sentimento de que ela não se
foi. Se outras pessoas – autoridades, sociedade e outros familiares –
dizem saber que ela está morta, nós temos a expectativa de que isso tem
que ser investigado e resolvido. Saibam que nós, familiares de Maria
Célia Corrêa, temos expectativa de que ela seja encontrada.
Outra questão contestada pelo MPF é a presunção de morte dos
guerrilheiros a partir da lei 9.140/95, que declarou como mortos os
desaparecidos durante o regime militar, para fins civis. Os
procuradores sustentam que essa lei não tem abrangência penal.
“E se alguma das pessoas indicadas na Lei 9.140 apresentar-se viva?
Seria defensável afirmar que ela está morta para todos os fins?”,
perguntam. Eles lembram ainda que, por ser desconhecido e incerto o
destino dos desaparecidos durante o regime militar, a própria lei 9.140
prevê, em seu artigo 3º, que: “em caso de dúvida, será admitida
justificação judicial”, o que revela o caráter relativo dessa
declaração de morte.
Crimes permanentes
O entendimento do MPF está sustentado em decisões do próprio Supremo
Tribunal Federal que, em pedidos de extradição de militares argentinos
acusados de desaparecimentos forçados e sequestros, confirmou que
“somente no caso de haver realmente o procedimento de declaração
judicial – com provas de que a pessoa realmente faleceu e declaração
judicial, que, dentre outras coisas, fixe a data provável da morte, com a
expedição da certidão de óbito, nos termos do parágrafo único do art.
7º do Código Civil – é que se poderá falar em efeitos penais e,
portanto, em extinção da punibilidade, pois sem tal sentença permanece
sempre a dúvida”.
O ministro Cezar Peluso, em voto durante um desses julgamentos,
afirmou que ante a ausência de exame de corpo de delito direto ou
indireto, o homicídio não passa “no plano jurídico, de mera
especulação, incapaz de desencadear fluência do prazo prescricional”.
Ou seja, quem comete crimes de desaparecimento forçado não pode se
beneficiar do instituto da prescrição. Como resultado desses
julgamentos, o militares puderam ser extraditados e julgados em seu
país por crimes cometidos durante a ditadura argentina.
Para o MPF, a Justiça não pode presumir a morte dos guerrilheiros
desaparecidos, porque não há provas nesse sentido. Se as mortes de fato
ocorreram, no momento não está provado e isso deve ser discutido dentro
do processo criminal contra Curió. A Justiça também deve levar em
consideração que, em outro pedido de extradição, “o STF não só tipificou
o desaparecimento forçado de militantes políticos argentinos como
sequestro qualificado, como também afirmou que a natureza permanente e
atual do delito afasta a regra de prescrição”.
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