Por Urariano Mota
Recife (PE) - Enquanto escrevo, ainda não acabou
o julgamento, pelo STF, das cotas para negros na Universidade de
Brasília. Às 10 e 15 do Recife numa quinta-feira, o Supremo Tribunal
ainda vai se pronunciar sobre uma ação contra as cotas movida pelo DEM,
que atende pelo nome de Democratas, e tudo sem ironia. A realidade é que
já passou do limite do deboche.
A dar corpo à sua defesa democrática, sem ironia, entendam, o DEM
argumenta que o negro sistema transgride, viola diversos preceitos
fundamentais fixados pela Constituição de 1988, a saber: a dignidade da
pessoa humana, o combate ao preconceito de cor e à discriminação, o que
afetaria o próprio combate ao racismo. Mas tudo sem ironia, se conseguem
entender. E de tanto usar a observação, a partir de agora usarei apenas
TSI, que vem a significar “tudo sem ironia!”.
Dizem os democratas, TSI, que o sistema de cotas fere o princípio
meritocrático. Melhor seria dizer, sem TSI, que o DEM reafirma o
meritocrático como um mentirocrático, porque torna absoluto o mérito, o
mérito que sempre houve para os de sempre, a saber: tudo para os filhos
dos bem postos na sociedade de exclusão, os seus vizinhos, sobrinhos,
esposa, mãe, os mais próximos enfim, que, é um diabo, todos têm mérito e
são filhos de Deus. Mas indo além da defesa do próprio mérito, defendem
os democratas TSI que o sistema ofende dispositivos do direito
universal para a educação. Você leram bem:
cota-para-os-negros-fere-direito-universal-da-educação. TSI! TSI! TSI!
ao infinito.
Notem que as cotas para negros se confundem com as cotas para
estudantes de escolas públicas, onde não por acaso se encontram os
pobres, negros e mestiços do Brasil. E por falar em mérito, um estudo
da Universidade de Campinas já demonstrou que os alunos oriundos de
escolas estaduais, menos de 30% do corpo discente da Unicamp, possuíam
durante o curso médias 5% superiores aos demais - apesar de enfrentarem
maiores dificuldades materiais ao longo da permanência na universidade.
Mas esse mérito dos que lutam pela educação como uma tábua de
sobrevivência, não serve aos Democratas.
Para quem não sabe, as cotas fazem uma compensação às injustiças de
renda, família e oportunidades na vida. Nelas, por elas, brasileiros
podem entrar em uma universidade, apesar da pobreza, apesar da
discriminação geral, apesar dos pais, alguns até inexistentes, mas todos
portadores da ignorância e infelicidade recebidos há gerações.
Os novos senhores de engenho do DEM e assemelhados dizem que no
Brasil não há negros, pois de tal maneira estamos misturados, que
difícil é saber o branco que não tenha uma fração de sangue da senzala.
Difícil seria, quando não impossível saber quem é negro. Que queixão,
que questão. Ora, todo queimadinho de sol sabe que todos sabem quem é
quem, quando lotam as prisões, quando são preteridos para uma chance de
vida nos hospitais, quando uma bala perdida sempre vai para a sua pele,
ou destino preferencial, digamos, sem TSI.
As cotas são um acordo enquanto no mundo não há justiça. A obra da escravidão é uma longa, angustiosa e interminável história. “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra.",
dizia Joaquim Nabuco, há dois séculos. E até hoje continuamos no
débito. Somos o último país do mundo a terminar a escravidão legal,
enquanto discutimos se os negros brasileiros merecem o tratamento de uma
discriminação positiva.
Talvez os iluminados da nossa democracia racial não saibam que os
nossos jovens de alma branca são sempre os suspeitos, são eles sempre os
primeiros a sofrer o vestibular de assassinatos. Esta é a nossa
democracia, que escapa à inteligência do DEM: no Brasil, todo negro é
alvo para a polícia.
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