Por Pedro Saraiva
Comentário do post "A pseudociencia de Veja"
Concordo com tudo que foi escrito no texto, porém como médico, tenho
uma visão um pouco diferente sobre a matéria. Também compartilho da
opinião de que a Veja seja um veículo conservador ao extremo e, como
tal, elitista, preconceituoso e com discurso que beira o fascismo.
Todavia, não consigo ter a visão inocente de que matérias como esta da
última edição sejam apenas fruto de mentes burguesas reacionárias. Acho
que o buraco é mais embaixo. Acho que podem existir outras forças por
trás desta reportagem.
Para explicar meu ponto de vista é preciso retornar a Setembro de
2011. Todos devem se lembrar de outra polêmica matéria, também sobre
aparência e aceitação social, onde a revista faz uma descarada
propaganda para a droga Liraglutida, comercializada pela empresa
farmacêutica Novo Nordisk, sob o nome comercial Victoza® [aqui].
Esta medicação aprovada mundialmente apenas para uso no diabetes foi
tratada como milagrosa no combate à obesidade, em uma das reportagens
mais irresponsáveis que já vi a nossa imprensa publicar. Na época, houve
grande repercussão no meio médico e inúmeros especialistas e entidades
médicas criticaram abertamente a revista. Até a ANVISA solicitou uma
nota de esclarecimento à Veja.
Tenho um colega endocrinologista que, incomodado
com a matéria, questionou um dos representates da Novo Nordisk que
costuma fazer visitas ao seu consultório. A resposta do rapaz foi a
esperada, que a empresa nada tinha a ver com a matéria, que a mesma era
de responsabilidade total do jornalista que a escreveu. O próprio
representante reforçou que o uso do Victoza® para tratar o excesso de
peso não está aprovado e não é encorajado oficialmente pela Novo
Nordisk. Bom, o fato é que os pacientes foram pressionar seus médicos e
as vendas da droga explodiram. Até faltou remédio para os diabéticos,
aqueles que realmente tinham indicação de tomar o medicamento.
O problema é que uma semana depois, apesar de todas as críticas, a
Revista Mdemulher, também da Editora Abril, trouxe uma outra reportagem,
assinada por outra jornalista, com a mesma falsa propaganda sobre a
droga [aqui].
Para completar ao circo, em Novembro, outra publicação da Abril, a
Revista Claudia, em nova reportagem, assinada por uma terceira
jornalista, faz novamente irresponsável apologia ao uso do Victoza® como
remédio para emagrecer [aqui]. Tudo muito estranho.
Mas o que a reportagem desta semana tem a ver com estes fatos? Bom, a
empresa farmacêutica Novo Nordisk atua basicamente em apenas 3 áreas da
saúde: diabetes, distúrbios da coagulação e... distúrbios do
crescimento.
Quem leu a matéria da Veja pode notar como é enfatizado a importância
do crescimento na infância. Agora, pensem nas mães de crianças
baixinhas lendo esta matéria, imaginando que seus filhos não serão tão
bem sucedidos se não atingirem o "padrão de qualidade" citado pela
revista. A revista quase que avisa: a hora de intervir é agora, este é o
momento mais importante do crescimento. Como médico acostumado a lidar
com modismos de saúde impostos pela grande imprensa, imagino quantas
mães não estão questionando os pediatras sobre o que pode ser feito para
o filho crescer mais.
Me desculpem, mas do mesmo modo que o atual padrão de magreza imposto
pelos meios de comunicação social é um incentivo ao uso desregrado de
moderadores do apetite e drogas emagrecedoras, este tipo de reportagem
é, indiretamente, um estímulo ao uso sem indicação de GH (hormônio do
crescimento) em crianças baixinhas.
Obviamente que baseado apenas nestas reportagens convenientes não se
pode acusar a empresa Novo Nordisk de ter comprado espaço nas
publicações da Editora Abril para fazer propaganda travestida de
jornalismo. A gente sabe que a qualidade das apurações da Veja é
lastimável e isso tudo pode ser somente mau jornalismo. Mas que é
estranho, isso é.
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