Murdoch e Marinho dividiram, acima de tudo, o amor pelo poder, pela influência, pela manipulação – por todas aquelas coisas, enfim, advindas da propriedade de um império de mídia
Paulo Nogueira
(este artigo foi publicado originalmente no blog Diario do Centro do Mundo)
Rupert Murdoch e Roberto Marinho têm muito mais que as iniciais em
comum. Ambos perderam o pai cedo, uma tragédia pessoal que,
paradoxalmente, acabou por empurrá-los vigorosamente na indústria da
mídia.
Os dois herdaram, jovens ainda, um jornal, Murdoch em sua Sidney, na
Austrália, Marinho no Rio de Janeiro. Isso foi determinante para
estabelecer nos dois um amor invencível pelos jornais. Mesmo quando já
tinham construído, cada qual do seu jeito, um império de mídia
diversificado, o jornal continuaria no centro da atenção dos dois.
A língua foi determinante para estabelecer a maior diferença. O
inglês facilitou a Murdoch montar um grupo mundial: da Austrália foi
para a Inglaterra, nos anos 1960, e acabaria depois incluindo
espetacularmente os Estados Unidos no mapa de seus negócios. Sua News
Corp, baseada em Nova York, onde Murdoch mora, é dona de marcas como a
Fox e o Wall Street Journal. Roberto Marinho, até por não falar inglês,
ficou essencialmente restrito ao Brasil até morrer, em 2003, aos 98
anos. Por isso a influência de Murdoch – ainda vivo e ativo, aos 81 anos
— é global, e a de Marinho foi nacional.
Como típicos barões da imprensa, deixaram sempre evidente que a voz
de seus jornais e demais mídias era a deles e de mais ninguém. “Se
alguém quer saber minhas opiniões, basta ler os editoriais do Sun”, diz
Murdoch. Sun é seu tablóide londrino, um campeão de vendas e de
controvérsias. Marinho não disse isso, mas nem precisava: estava
patente.
Cercaram-se de jornalistas que sabiam que jamais deveriam brilhar
tanto a ponto de ofuscar o dono. Quando Murdoch comprou o lendário Times
na década de 1960, um passo essencial no seu ganho de poder na
Inglaterra, sabia-se que os dias do grande editor Harold Evans no jornal
estavam contados. O editor Evandro Carlos de Andrade, que dirigiu o
Globo por longos anos e depois o telejornalismo do grupo, fez questão
desde o início de deixar claro a Roberto Marinho que era papista. Fazia o
que o Papa mandava. Muito mais que o talento, foi esse traço de
pragmática servilidade que explicou a duração da carreira de Evandro nas
Organizações Globo.
Murdoch e Marinho sempre disseram ter em vista, acima de tudo, o
interesse público. Mas jamais deixaram de ser objeto de suspeita de que,
fora da retórica, colocaram invariavelmente seu interesse pessoal acima
de quaisquer outros.
Em torno deles se construiu a imagem – exagerada — de homens capazes
de fazer ou destruir governos. Ninguém acreditou mais nisso que os
politicos no Brasil e na Inglaterra, e por isso adularam Murdoch e
Marinho para além da abjeção. Buscavam sempre apoio, o que às vezes
receberam – acompanhado, quase sempre, de uma merecida dose de desprezo.
No código de etiqueta e de poder de Murdoch e Marinho, competiu sempre
aos políticos ir atrás deles, e não o inverso.
Lutaram, como todos os barões da imprensa, por estabelecer uma
dinastia. As chances de êxito de Murdoch, nisso, são pequenas. Três
filhos seus – uma mulher e dois homens – já estiveram na condição de
herdeiros aparentes. O último deles, James, 39 anos, renunciou a seu
posto depois que sua reputação foi destruída no escândalo das escutas
ilegais telefônica de um tablóide do grupo, o News of the World. Murdoch
tem dois filhos pequenos de Wendi, sua bonita mulher chinesa, mas é
difícil imaginar que Murdoch vá estar vivo quando os dois estiverem em
condições de tocar uma empresa.
Roberto Marinho teve mais sorte aí. Seus três filhos, Roberto Irineu,
João Roberto e José Roberto, conseguiram até aqui manter o vigor –
econômico, pelo menos — da Globo. São discretos, têm noção de suas
limitações e, juntos, estabeleceram uma maneira de trabalhar em conjunto
com a qual a Globo se manteve competitiva sem Roberto Marinho.
Diferentemente do pai, parecem menos interessados em influenciar
presidentes e mais focados no negócio em si. Não inovaram, mas já
mostraram entender que o futuro é digital e saber que, se a Globo não
transferir sua potência para a internet, o declínio é inevitável. Todos
os três estão na faixa dos 50 anos, o que significa que a Globo não
enfrentará tão cedo um novo teste de troca de geração.
Pessoalmente, Murdoch e Marinho compartilharam uma vaidade que os fez
claramente ficar incomodados com algumas características físicas.
Murdoch durante boa parte da vida tentou esconder a calvície com um
penteado em que fios longos eram estrategicamente dispostos de um lado
ao outro da cabeça. Apenas recentemente desistiu do expediente. Roberto
Marinho não se orgulhava de sua estatura, ampliada por saltos, e de sua
tez mulata, na qual passava pó de arroz.
Em suas vidas paralelas, Murdoch e Marinho dividiram, acima de tudo,
o amor pelo poder, pela influência, pela manipulação – por todas
aquelas coisas, enfim, advindas da propriedade de um império de mídia.
No Brasil_247
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