sábado, 19 de maio de 2012

A arapuca de Carlinhos Cachoeira para Valdomiro Diniz e as escolhas do jornalismo investigativo


por Luiz Carlos Azenha

Eu consultava meu extenso arquivo pessoal de imagens televisivas quando, bingo!, encontrei para minha própria surpresa o vídeo no qual foi baseada uma reportagem que fiz.

O Marco Aurélio Mello, do Doladodelá, já tratou da estranha ligação que recebeu de Cachoeira, quando ambos trabalhávamos na Globo e fomos encarregados de investigar o assunto. Como é que o Cachoeira ficou sabendo de nossa reportagem?

O vídeo foi também a base de reportagem-denúncia da revista Época, intitulada Bicho na campanha, que detonou o primeiro escândalo do governo Lula, em fevereiro de 2004.
Revendo o vídeo com os olhos de hoje, duas coisas chamam a atenção.

A primeira é o cuidado de Cachoeira com a gravação. Nesta, ele convoca o então assessor José Ângelo Beghini a diminuir a luz na sala onde receberia Valdomiro Diniz, então presidente da Loterj (a gravação é de 2002, mas só foi divulgada em 2004, quando Valdomiro era subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República).

Segundo escreveu a Época, ”a fita de vídeo foi entregue ao senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) há cerca de duas semanas. ‘Recebi o material, não tinha como avaliar sua autenticidade, mas, diante da gravidade do assunto, encaminhei ao Ministério Público para investigação’”.

O vídeo mostra, sem qualquer sombra de dúvida, que Cachoeira armou a arapuca.

Além de pedir a Beghini para cuidar da luz na sala, o próprio Cachoeira ajusta, mais tarde, a câmera, dizendo que “o Valdomiro é malandro”. Era malandro, mesmo, tanto que pediu dinheiro. Um por cento, 1%. É justo que se pergunte: o que fazia uma cara destes no governo Lula? Era para legalizar os bingos?

Segundo ponto importante: antes da chegada de Valdomiro, o vídeo mostra o bicheiro eletrônico recebendo uma ligação do então prefeito de Anápolis, Ernani de Paula.

Durante a chamada, Cachoeira faz menção à passagem do então presidente Fernando Henrique Cardoso pela cidade naquele dia, o que aconteceu em 24.07.2002.

Data, portanto, da gravação.

Cachoeira se refere a Marcelo, que estava numa ilha, mas só voltaria no aniversário da cidade (o aniversário de Anápolis é em 31 de julho).

Pode ser coincidência: àquela altura Cachoeira já era dono do laboratório farmacêutico Vitapan e Marcelo Limírio, amigo dele, do Neoquímica, ambos instalados em Anápolis.

Na conversa com Ernani, Cachoeira diz várias frases em resposta ao prefeito:
“Oh prefeitaço, se esquece de mim, rapaz!? Eu tava com o Mauricio, o Maurício de Belo Horizonte, ele tava querendo te cobrar a caneta de ouro… a caneta de ouro dele que você sumiu, a caneta de ouro dele, Mont Blanc, diz ele que é de ouro, depois que perde é de ouro.
Você tá bem, né? Tem de ficar colado nocê, Ernani. O presidente tava aí hoje, né? Eu falei com o Marcelo da reunião nossa, viu? Eu sei que você me atropelou, mas eu gosto de você assim mesmo. Você foi lá e ele me ligou na mesma hora, ‘oh, temos de ajudar’. Marquei com ele, ele tá pra ilha dele, ele volta no dia aniversário da cidade, quer dizer volta na outra quarta-feira, vamos marcar na quinta-feira, tá? Sem problema. Vamos ajeitar esses candidatos aí tudo, né?
Vamos agilizar essa verba aí viu? Amanhã eu estou, amanhã à tarde, vamos falar? Vou dar um pulo aí então, tá? Amanhã à tarde, então, tá?  Não, tranquilo, tá? O Waltencir é o Marcelo que fala com ele diretamente. Agora, o Marcelo me ligou e aquele dia eu não pude comparecer, para fazer a reunião na segunda-feira, né, como tinha combinado. Como eu não fui eu não fiz. Então nós ficamos agora de sentar, eu o Chiquinho e ele e parece que o Fábio também… e fazer isso aí”.
 Mais tarde:
“Eu combinei com você isso aí, eu vou seguir à risca. Isso eu falei com o Marcelo, também. Agora, a gente precisa falar a mesma linguagem, né, prefeito? É aquilo que nós conversamos…  eu e o Marcelo…  a gente continua na mesma linha, sem problema algum. Ernani, para de falar que você tá apoiando o Serra [candidato, em 2002, a suceder Fernando Henrique Cardoso], o Serra não vai ganhar nada. Eu vi você na foto, atrás da cadeira do Serra lá. Você tava na reunião. Eu vi o Marco Maciel [então vice-presidente da República], você estava atrás do Marco Maciel. Essa candidatura do Serra tá mais que enterrada… Vamos conversar. Obrigado, prefeito”.
Assim que desliga: “Que prefeito malandro, filho da puta. [Respondendo a Beghini:] Esse aqui é pior, pior, vagabundo!”

O curioso é que a reportagem que denunciou Waldomiro Diniz, na Época, em 2004, mencionou que Cachoeira teria financiado as campanhas de Rosinha Garotinha e Benedita da Silva (a gravação completa aparentemente não coube no DVD de meu arquivo, por isso reproduzo o trecho publicado pela revista):


A reportagem é ilustrada por uma foto que mostra Cachoeira ajeitando a câmera, indício de que os jornalistas tiveram acesso a mais que o final da gravação, comprometedor para Valdomiro Diniz.

Pode ter sido por falta de tempo, de apetite, de competência, mas uma pergunta fica no ar: por que os que tiveram acesso à gravação não perseguiram com o mesmo ardor a dica de Cachoeira, na ligação com o prefeito Ernani de Paula, quando disse: “Vamos ajeitar esses candidatos aí tudo, né?”.

Quero crer que não tenha sido pelo fato de que Ernani, que se elegeu prefeito pelo PPS, àquela altura era apoiador da candidatura de José Serra.

Será que uma reportagem falando sobre o Bicho na campanha do PSDB não cairia bem?

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