Lugo e Franco, seu vice, uma aliança de inconveniências
Mesmo sendo tudo muito rápido, o ex-bispo paraguaio não precisava entregar os pontos sem espernear
Bem feito. O ex-bispo Fernando Lugo foi deposto pela mesma súcia com que partilhava coquetéis e quitutes, numa jogada de mestre de efeitos colaterais ameaçadores. Depois do xeque-mate paraguaio, a especulação política já quer saber quem será o próximo nesse tabuleiro de torpezas mil.
Porque a
fórmula do golpe parlamentar deu certo, deixando os militares no
chinelo. Ao prelado não lhe ocorreu que os inimigos não mandam flores. E
que nessas horas não adianta pedir ajuda a Deus.
Ou
se faz o jogo das vontades insaciáveis dos canalhas ou se recorre à
turba. E ele não fez nenhuma coisa, nem outra. Daí servir o prato cheio
para a trama tão bem montada, que grileiros e traficantes celebrados em
palácios usaram como pretexto logo após o massacre de sem-terras, coisa a que
se dedicam secularmente, como se de repente eles, titulares de uma
indomável capangada, estivessem indignados com as mortes dos pobres
coitados.
Tudo foi milimetricamente planejado e
aconteceu no Paraguai porque lá é o Paraguai dos produtos falsificados.
Não adianta xingar os personagens do golpe, nem lembrar que, para
variar, estava por trás o falso brilhante do Obama.
Não
adianta porque o ex-bispo é antes de tudo um fraco. Talvez, quem sabe,
sua anemia crônica fizesse dele um trapo. Faltou-lhe a garra do
Francisco Solano Lopez, faltou a coragem necessária para se trancar no
Palácio e pedir ajuda ao seu povo, que, salvo uma minoria de 5 mil
inconformados, não se deu conta do péssimo exemplo que seus valhacoutos
ofereciam ao mundo, em especial ao Continente, numa alusiva insinuação
de que certos sociais-democratas são tigres de papel.
Pelo
resultado arrasador das votações na Câmara e no Senado, viu-se que
Fernando Lugo já estava na corda bamba no antro fétido dos podres
poderes da Nossa Senhora Santa Maria de Assunção, a capital de 520 mil
habitantes controlados por mafiosos de carteirinha.
Ele
sabia que dormia com o inimigo, mas esperou em Deus que respeitassem
seu mandato, conquistado numa surpreendente metamorfose da dicotomia
guarani, onde não existe essa de direita e esquerda: os políticos
daquelas bandas são bandos de malfeitores muito menos recatados do que
os militares, apesar da base norte-americana no povoado General
Estigarribia, província de Boquerón, no noroeste do Paraguai, cuja
existência Lugo sempre negou, alegando que operava ali apenas parte do
Exército dos EUA dedicada a “ações humanitárias”.
Esperou
por um Deus que continua sendo usado na maior pelas classes dominantes.
Pois o pretenso representante do Senhor, o come-e-dorme cognominado
“núncio apostólico” foi o primeiro a ir apertar a mão do Judas que tomou
o seu lugar, num apressado ato pecaminoso que faz lembrar o Vaticano de
Cesar Bórgia.
Ao que parece, e tudo indica,
Lugo foi preferido pelos golpistas por seu estilo de padre bondoso.
Tanto que nem estrebuchava com o Estado paralelo que o contrabando e o
narcotráfico montou por lá com a ajuda das multinacionais que
descarregavam na Cidade do Leste e outras mais os produtos rejeitados
pelo controle de qualidade das matrizes.
Também foi impotente ante a conivência de uma tropa que está associada ao crime, dando-lhe a cobertura armada e assegurando o fluxo de drogas e quinquilharias para a vizinhança de sacoleiros e transportadores de drogas num entreposto montado a céu aberto.
Sua atuação não era de um líder, mas de um pretenso messias forjado nos púlpitos da santa madre igreja. Enquanto Chávez, Evo e Rafael Correa disparam seus talentos quixotescos no fomento de uma auto-estima patriótica, enquanto Dilma e Cristina mordem e assopram, mas têm o apoio incondicional do populacho, ele se deixou abater pelas baixarias a respeito de suas peraltices sexuais e se aceitou refém de um jogo de interesses que o suprimiu quando já estava mal das pernas.
É
besteira comparar esse golpe consentido com o de Honduras, onde o
fazendeiro Manuel Zelaia foi deposto pelo Exército com a chancela do
Judiciário e do Congresso. Ele caiu, é verdade, mas caiu de pé, com
aquele chapéu e aquele bigode trançados com a resistência que deu muito
trabalho aos golpistas.
Pode até ser que a má notícia dada enquanto centenas de chefes de Estado passeavam pelo Rio de Janeiro, por conta da suposta preocupação com o meio ambiente, encontre seu antagonismo do lado de fora da fronteira.
Seus vizinhos sabem que em cada salão iluminado há sempre um golpista de plantão, a serviço do crime econômico, com dólares doados para manter seus países como quintais da velha potência hoje abatida pela impotência fatal.
Mas e daí? Os vizinhos vão pegar o ex-bispo no colo para levá-lo de volta ao poder que entregou na maior passividade, num rito sumário inusitado e sob pretextos indecentes?
O que tenho a dizer, gostem ou não os de um lado e de outro, é que Fernando Lugo caiu porque não era do ramo. Ali, onde os políticos viram casaco por qualquer meia pataca (os nossos cobram mais), o exercício institucional do poder é uma deplorável obra de ficção.
Quem decide mesmo é a máfia que Lugo tolerou porque não tem o sangue dos guerreiros do passado. Essa máfia, para variar, é multinacional e tem muito mais dotes do que os quartéis de pés descalços, que, tanto como os políticos, estão nas folhas da jogatina, do contrabando e do tráfico de drogas.
Resta saber só se esse estrago será restrito como coisa do Paraguai ou se vai animar os canalhas de outras plagas.
Sangessugado do Pedro Porfírio
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