Americano conta como é viver sem sentir dor; irmão não aguentou
Steven Pete e seu irmão nasceram com um raro mal genético chamado analgesia congênita. Os dois americanos do Estado de Washington cresceram com o sentido do toque, mas sem jamais terem sentido dor, como Steve explica no depoimento a seguir:
"A primeira vez que ficou claro para meus pais que algo estava errado
foi quando eu tinha apenas cinco meses de vida. Comecei a mastigar
minha língua à medida que meus dentes nasciam. Meus pais me levaram a um
pediatra, onde passei por uma bateria de exames. Primeiro, acenderam um
isqueiro na sola do meu pé e esperaram que se formasse uma bolha na
pele. Logo que perceberam que eu não reagia, começaram a espetar agulhas
nas minhas costas. Como eu novamente não respondi, chegaram à conclusão
que eu sofria de analgesia congênita. A essa altura, eu já havia
mastigado cerca de um quarto da minha língua".
"Eu e meu irmão crescemos em uma fazenda. Meus pais tentaram ser
protetores sem nos sufocar. Mas, quando você vive no campo, e
especialmente se você é um menino, você quer ficar fora de casa,
explorar e aprontar um pouco. Por isso, no início da minha infância, eu
faltei muito à escola por causa de lesões e doenças. Certa vez, acho que
num rinque de patinação, quebrei a minha perna, mas não lembro dos
detalhes. As pessoas apontavam para mim porque as minhas calças estavam
cobertas de sangue da área em que o osso saiu. Depois disso, fui
proibido de patinar até que fosse bem mais velho. Com cinco ou seis
anos, funcionários do serviço de proteção ao menor me levaram da minha
casa, porque alguém denunciou meus pais por agressão. Fiquei sob os
cuidados do Estado por cerca de dois meses. E, quando voltei a quebrar a
perna, eles finalmente perceberam que meus pais e meu pediatra estavam
falando a verdade sobre a minha condição de saúde".
"Vai sentir dor quando eu acabar com você''
"Na escola, muitas crianças perguntavam o que eu tinha. 'Por que você está usando gesso?', eles questionavam. A maior parte do tempo eu estava engessado, até completar 11 ou 12 anos. E frequentemente me envolvia em brigas. Sempre que um menino novo entrava na escola, as crianças tentavam convencê-lo a brigar comigo, como uma espécie de introdução à escola. E me diziam: "Se você não sente dor, vai sentir quando eu acabar com você".
"Hoje, não me considero uma pessoa particularmente imprudente. Acho
até que sou mais atento do que a maioria, porque sei que, se eu me
machucar, não saberei a gravidade do machucado. Lesões internas são as
que mais me amedrontam, especialmente apendicite. Em geral, se tenho
qualquer problema estomacal ou febre, vou direto para o hospital só por
precaução".
"A última vez que quebrei um osso, a minha mulher percebeu antes que
eu. Meu pé estava inchado, com coloração preta e azul. Fui ao médico,
passei pelo raio-x e descobri que tinha quebrado dois dedos e que
precisaria usar gesso. Eu precisava trabalhar no dia seguinte. E, se
estivesse engessado, teria que ficar afastado do trabalho por um bom
tempo. Então disse aos médicos que eu podia me cuidar. Voltei para casa,
peguei fita isolante, prendi meus dedos, vesti uma bota e fui
trabalhar".
"Uma das coisas que terei que enfrentar em breve é o fato de que não
terei mais a minha perna esquerda. Já passei por tantas cirurgias no meu
joelho esquerdo que chegou num ponto em que os médicos disseram que só
me resta esperar que a perna pare de funcionar. Quando isso acontecer,
ela terá de ser amputada. Tento não pensar a respeito".
"Tento não deixar que isso me afete. Mas não posso evitar o
pensamento de que a analgesia congênita foi uma das razões pelas quais
meu irmão decidiu se suicidar. Suas costas estavam ficando cada vez
pior. Ele estava quase se formando em uma universidade local, e os
médicos disseram que, em um ano ou um ano e meio, ele ficaria preso a
uma cadeira de rodas. Ele era uma pessoa que gostava do ar livre -
gostava de sair, de pescar e caçar. Mas quando ele tentou receber algum
tipo de ajuda financeira por sua debilidade quando ela chegasse, a
resposta do juiz foi: "Se você não sente dor, não tem motivo para
receber nenhuma assistência".
"O negócio é que, no caso do nosso problema, muitas pessoas que nos
veem deduzem que somos saudáveis. Mas elas não têm ideia de que o meu
corpo pode parar de funcionar a qualquer momento, que ele está todo
machucado. Eu tenho artrite severa nas minhas juntas. Não é dolorido -
eu não sinto nenhuma dor -, é apenas um incômodo. Mas às vezes é difícil
andar. A sensação é de pressão, como se minhas juntas estivessem
latejando. Alguns dias isso me deixa mal-humorado. Isso limita a minha
mobilidade. Quanto aos médicos, acho que eles entendem o meu problema.
Eles só não entendem o componente humano disso - a psicologia do que
pode acontecer quando você cresce sem conseguir experimentar a dor".
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