A Justiça Federal no Pará aceitou as denúncias do Ministério Público
Federal sobre dois ex-agentes da ditadura acusados de crimes cometidos
durante os combates à guerrilha do Araguaia. Na quarta-feira 28, a juíza
Nair Cristina Corado Pimenta, da 2ª Vara Federal de Marabá (PA),
aceitou os argumentos da Procuradoria nas ações contra o coronel
reformado Sebastiao “Curió” Rodrigues de Moura e o major da reserva
Lício Augusto Maciel, o “Doutor Asdrúbal”.
A decisão da magistrada transforma, pela primeira vez, agentes
militares em réus de processos criminais movidos pelo Ministério
Público. Em março deste ano, o MPF havia recorrido de uma decisão
anterior da Justiça de rejeitar a abertura do processo contra Curió. Ele
é acusado dos sequestros de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz
Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de
Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia), militantes
capturados por tropas comandadas por Curió entre janeiro e setembro de
1974. Segundo a denúncia, após serem levados às bases militares
coordenadas por ele, foram submetidos a grave sofrimento físico e moral,
e nunca mais encontrados.
A juíza reformou a decisão do juiz substituto João Otoni de Matos,
que em 16 de março negou seguimento ao processo com base na Lei da
Anistia. No recurso, os procuradores da República Tiago Rabelo, André
Raupp, Ubiratan Cazetta, Felício Pontes Jr, Andrey Mendonça, Sergio
Suiama e Ivan Marx reafirmam a compreensão de que o processo contra
Curió não contrariava a Lei de Anistia – que, no entendimento do Supremo
Tribunal Federal, vale tanto para perseguidos políticos quanto para os
agentes da ditadura. O grupo de procuradores afirma que os crimes
cometidos pelos agentes, como sequestros e desaparecimentos forçados de
dissidentes políticos, são permanentes.
O argumento é que, enquanto os corpos não forem encontrados (e a
morte, portanto, não for confirmada), os crimes continuam a ser
praticados. Recentemente o Brasil recebeu uma sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos por omissão na apuração dos crimes do
Araguaia.
“As pesquisas realizadas durante as buscas a corpos de guerrilheiros
no Araguaia indicam a possibilidade de alguns guerrilheiros estarem
vivos, dentre eles Hélio Luiz Navarro e Antônio de Pádua Costa, duas das
vítimas citadas na denúncia”, escreveram os procuradores.
Para o MPF, a Justiça não pode presumir a morte dos guerrilheiros
desaparecidos porque não há provas nesse sentido. Ao aceitar a denúncia,
a juíza escreveu que a Lei da Anistia prevê o “perdão” de atos
passados, mas, na hipótese dos autos, “está-se diante de algo que não
passou” e “perdura até que os indícios de sua permanência sejam
suplantados por elementos evidenciadores de sua cessação”. Para ela, os
fatos denunciados não podem, portanto, ser enquadrados como anistia
porque “não há perdão pré-datado”.
Em outra ação, de julho deste ano, o MPF denunciou o ex-militar Lício
Augusto Maciel pelo sequestro de Divino Ferreira de Sousa, o Nunes,
capturado e ilegalmente detido pelo Exército durante a repressão à
guerrilha em 1973. A denúncia também foi aceita pela magistrada na
quarta-feira 28.
O sequestro de Divino ocorreu durante a Operação Marajoara, última
fase dos combates entre o Exército e os militantes. De acordo com a
denúncia, Divino foi emboscado no dia 14 de outubro de 1973 pelos
militares chefiados por Lício.
Para o MPF, a responsabilização penal do major decorre da sua
“inequívoca” participação nos crimes relatados na denúncia, o que
inclusive foi reconhecido por ele em depoimento prestado na Justiça
Federal do Rio de Janeiro, em 2010.
A decisão da Justiça em transformar os dois ex-agentes da ditadura em
réus é a segunda vitória dos movimentos pelos direitos humanos no País
em menos de um mês. No último dia 14, o Tribunal de Justiça de São Paulo
manteve hoje a decisão de 2008 que declarou como torturador o coronel
da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra. Por 3 votos a favor e nenhum
contra, os desembargadores negaram recurso contra a sentença de primeira
instância da 23ª Vara Cível de São Paulo que responsabiliza o militar
pelas torturas cometidas no Destacamento de Operações de Informações –
Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O centro, que
funcionava próximo ao Parque Ibirapuera, na zona sul paulistana, foi
comandado por Ustra entre 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de
1974.
A ação foi movida pela família das vítimas. Contra Ustra tramita
ainda uma ação penal do MPF, juntamente com o delegado da Polícia Civil
Dirceu Gravina, pelo crime de sequestro qualificado do bancário Aluizio
Palhano Pedreira Ferreira, ocorrido em maio de 1971. Nesse caso, a
Justiça Federal negou o recebimento da denúncia e o MPF aguarda
julgamento de recurso para ver os acusados se tornarem réus.
O julgamento na Justiça do Pará ainda não tem data para acontecer.
*Com informações da Agência Brasil
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