domingo, 21 de outubro de 2012

Caetano e a vanguarda do atraso [Por Lula Miranda]


ACM é lindo” e “Lula é analfabeto” são sentenças “definitivas” atribuídas ao filho famoso de Dona Canô e Seu Zeca, Caetano Veloso. Chega-me pelos jornais a notícia de que o provecto tropicalista, compositor de algumas das grandes e inesquecíveis canções da nossa MPB, emprestou seu apoio e prestígio à candidatura de ACM Neto – “quem lê tanta notícia?”.

É um direito dele o de apoiar quem bem entender e quiser – advertiria você, leitor mais crítico e atento. Deploro o seu apoio a um homem público que representa o retrocesso, o atraso, mas... É verdade, ele tem o direito de escolher, apoiar e votar em quem quiser. Porém, o digno de nota, e de minha “curiosidade”, é que esse Caetano é o mesmo que apoiou a candidatura de Marcelo Freixo do PSol, no Rio de Janeiro. É, também, o mesmo Caetano que disse, num discurso inflamado na década de 1960, que a juventude “não entendia nada”. Eu também não entendo nada. Alguém por acaso entende?

Fica a impressão que o compositor tem alguma “bronca” com o PT ou com um (in)certo e tão propalado “lulismo”. A ponto de transitar, sem pudor ou constrangimento algum, da extrema-esquerda à extrema-direita. Com essa sua aparente incongruência, Caetano parece nos dizer enfaticamente e com exagero barroco, como é de seu feitio: “Tudo, menos apoiar um candidato do PT! Eu detesto Lula e o PT!”.

ACM era lindo? Hoje se sabe que a “boniteza” não era exatamente o principal predicado deste falecido oligarca baiano – pelo menos não era algo assim, digamos, relevante a se assinalar/asseverar na atuação política daquele homem público, e não era algo que afetasse assim, diretamente, o destino do povo da Bahia. Mas Caetano é surpreendente. Caetano “é um gênio”. Então, está tudo certo.

Lula era um analfabeto? À época presidente, Luiz Inácio Lula da Silva não era, obviamente, um “analfabeto”. Era um homem que não teve o devido acesso ao estudo, como a maioria dos brasileiros de sua época – incluindo-se aí, claro, os baianos. Mas isso não o impediu de realizar um grande governo. Aliás, Lula, no começo de sua carreira de sindicalista, por ser nordestino, mas não por ser supostamente “iletrado”, era conhecido no meio sindical paulista como “baiano”. Caetano exprime aí, sem querer, numa espécie de ato-falho, uma característica de boa parte de nossa elite: pensar que apenas aos mais letrados é dado o direito de ter certo protagonismo na vida política do país. Isso é um preconceito de classe, um equívoco que Caetano, na condição de “vanguarda” [um homem à frente de seu povo], tinha obrigação de aclarar. E o fez – mas por linhas tortas.

Enquanto os homens exercem seus podres poderes...”

A Bahia, governada por Antônio Carlos Magalhães ou correligionários, por mais de duas décadas, ainda hoje é um dos estados brasileiros que têm uma das maiores dívidas sociais para com o seu povo – seguido bem de perto pelo Piauí, Alagoas e Maranhão, salvo engano. E essa “dívida” que o estado tem para com o seu povo não é consequência – pelo menos não exatamente – da “beleza” de ACM.

O patriarca dos Magalhães foi um dos mais nefandos e autoritários oligarcas desse país. Boa parte do atraso e pobreza porque passa hoje a Bahia deve-se às políticas públicas equivocadas (ou à faltas destas) implantadas (ou não) por esse “coronel” de triste memória e/ou pelo seu grupo político. Esse “sinhozinho”, denunciam seus opositores, juntamente com seus asseclas e correligionários, pilhou o estado em benefício próprio; subornou e corrompeu a Justiça; erigiu monumentos à memória dos seus à custa do erário; perseguiu, prendeu e mandou matar seus desafetos. ACM governava com a burra numa mão e a chibata na outra. A esse grupo político e a esse modo de governar convencionou-se nominar “carlismo”. Triste Bahia. Triste memória.

Parecia viver-se hoje outros tempos. Louvava-se o fato de que o “carlismo” estava morto e enterrado na Bahia. Porém, nos mesmos dias que correm hoje, dias em que novos políticos, homens e mulheres de variadas agremiações partidárias do campo das esquerdas, se esforçam por construir um novo Brasil, eis que aparecem os herdeiros do “carlismo” (a velha arena, PDS, PFL e, hoje, DEM) pretendendo, novamente, empunhar a burra e a chibata e subjugar o povo de Salvador e depois, provavelmente, o povo da Bahia.

 “Quando você for convidado pra subir no adro/da Fundação Casa de Jorge Amado/Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/dando porrada na nuca de malandros pretos/de ladrões mulatos e outros quase brancos/Tratados como pretos/ só para mostrar aos outros quase pretos/(E são quase todos pretos)/E aos quase brancos, pobres como pretos/Como é que pretos, pobres e mulatos/E quase brancos, quase pretos, de tão pobres são tratados/ E não importa se os olhos do mundo inteiro/Possam estar  voltados para o largo/Onde os escravos eram castigados(...).”

Essa canção nos remete aos tempos do “carlismo” em Salvador e na Bahia. É difícil  acreditar que o autor dessa doída poesia agora associa-se à vanguarda do atraso.

Em meio ao desalento, eu canto meu lamento. Triste Bahia.

[Em tempo: Gilberto Gil emprestou seu apoio a Pelegrino. Gil, portanto, segue “louvando o que bem merece, deixando o ruim de lado”.]

N.A.: Foram citados no artigo, como excertos, trechos de duas músicas de Caetano Veloso: “Podres Poderes” e “Haiti”.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...