“ACM é lindo” e “Lula é analfabeto” são sentenças “definitivas” atribuídas ao filho famoso de Dona Canô e Seu Zeca, Caetano Veloso. Chega-me pelos jornais a notícia de que o provecto tropicalista, compositor de algumas das grandes e inesquecíveis canções da nossa MPB, emprestou seu apoio e prestígio à candidatura de ACM Neto – “quem lê tanta notícia?”.
É um direito dele o de apoiar quem bem entender e quiser – advertiria
você, leitor mais crítico e atento. Deploro o seu apoio a um homem
público que representa o retrocesso, o atraso, mas... É verdade, ele tem
o direito de escolher, apoiar e votar em quem quiser. Porém, o digno de
nota, e de minha “curiosidade”, é que esse Caetano é o mesmo que apoiou
a candidatura de Marcelo Freixo do PSol, no Rio de Janeiro. É, também, o
mesmo Caetano que disse, num discurso inflamado na década de 1960, que a
juventude “não entendia nada”. Eu também não entendo nada. Alguém por
acaso entende?
Fica a impressão que o compositor tem alguma “bronca” com o PT ou com
um (in)certo e tão propalado “lulismo”. A ponto de transitar, sem pudor
ou constrangimento algum, da extrema-esquerda à extrema-direita. Com
essa sua aparente incongruência, Caetano parece nos dizer enfaticamente e
com exagero barroco, como é de seu feitio: “Tudo, menos apoiar um
candidato do PT! Eu detesto Lula e o PT!”.
ACM era lindo? Hoje se sabe que a “boniteza” não era exatamente o
principal predicado deste falecido oligarca baiano – pelo menos não era
algo assim, digamos, relevante a se assinalar/asseverar na atuação
política daquele homem público, e não era algo que afetasse assim,
diretamente, o destino do povo da Bahia. Mas Caetano é surpreendente.
Caetano “é um gênio”. Então, está tudo certo.
Lula era um analfabeto? À época presidente, Luiz Inácio Lula da Silva
não era, obviamente, um “analfabeto”. Era um homem que não teve o
devido acesso ao estudo, como a maioria dos brasileiros de sua época –
incluindo-se aí, claro, os baianos. Mas isso não o impediu de realizar
um grande governo. Aliás, Lula, no começo de sua carreira de
sindicalista, por ser nordestino, mas não por ser supostamente
“iletrado”, era conhecido no meio sindical paulista como “baiano”.
Caetano exprime aí, sem querer, numa espécie de ato-falho, uma
característica de boa parte de nossa elite: pensar que apenas aos mais
letrados é dado o direito de ter certo protagonismo na vida política do
país. Isso é um preconceito de classe, um equívoco que Caetano, na
condição de “vanguarda” [um homem à frente de seu povo], tinha obrigação
de aclarar. E o fez – mas por linhas tortas.
“Enquanto os homens exercem seus podres poderes...”
A Bahia, governada por Antônio Carlos Magalhães ou correligionários,
por mais de duas décadas, ainda hoje é um dos estados brasileiros que
têm uma das maiores dívidas sociais para com o seu povo – seguido bem de
perto pelo Piauí, Alagoas e Maranhão, salvo engano. E essa “dívida” que
o estado tem para com o seu povo não é consequência – pelo menos não
exatamente – da “beleza” de ACM.
O patriarca dos Magalhães foi um dos mais nefandos e autoritários
oligarcas desse país. Boa parte do atraso e pobreza porque passa hoje a
Bahia deve-se às políticas públicas equivocadas (ou à faltas destas)
implantadas (ou não) por esse “coronel” de triste memória e/ou pelo seu
grupo político. Esse “sinhozinho”, denunciam seus opositores, juntamente
com seus asseclas e correligionários, pilhou o estado em benefício
próprio; subornou e corrompeu a Justiça; erigiu monumentos à memória dos
seus à custa do erário; perseguiu, prendeu e mandou matar seus
desafetos. ACM governava com a burra numa mão e a chibata na outra. A
esse grupo político e a esse modo de governar convencionou-se nominar
“carlismo”. Triste Bahia. Triste memória.
Parecia viver-se hoje outros tempos. Louvava-se o fato de que o
“carlismo” estava morto e enterrado na Bahia. Porém, nos mesmos dias que
correm hoje, dias em que novos políticos, homens e mulheres de variadas
agremiações partidárias do campo das esquerdas, se esforçam por
construir um novo Brasil, eis que aparecem os herdeiros do “carlismo” (a
velha arena, PDS, PFL e, hoje, DEM) pretendendo, novamente, empunhar a
burra e a chibata e subjugar o povo de Salvador e depois, provavelmente,
o povo da Bahia.
“Quando você for convidado pra subir no adro/da Fundação Casa de Jorge Amado/Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/dando porrada na nuca de malandros pretos/de ladrões mulatos e outros quase brancos/Tratados como pretos/ só para mostrar aos outros quase pretos/(E são quase todos pretos)/E aos quase brancos, pobres como pretos/Como é que pretos, pobres e mulatos/E quase brancos, quase pretos, de tão pobres são tratados/ E não importa se os olhos do mundo inteiro/Possam estar voltados para o largo/Onde os escravos eram castigados(...).”
Essa canção nos remete aos tempos do “carlismo” em Salvador e na
Bahia. É difícil acreditar que o autor dessa doída poesia agora
associa-se à vanguarda do atraso.
Em meio ao desalento, eu canto meu lamento. Triste Bahia.
[Em tempo: Gilberto Gil emprestou seu apoio a Pelegrino. Gil,
portanto, segue “louvando o que bem merece, deixando o ruim de lado”.]
N.A.: Foram citados no artigo, como excertos, trechos de duas músicas de Caetano Veloso: “Podres Poderes” e “Haiti”.
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