Numa contundente entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o ex-presidente do PT, José Genoino, condenado por corrupção ativa, defende a política de alianças costurada pelo partido, sem a qual Lula não governaria, e diz que está preparado para a prisão, mas não para encerrar sua carreira política
Condenado por corrupção ativa por nove votos a um,
José Genoino, ex-presidente do PT, concedeu uma contundente entrevista à
jornalista Vera Rosa, do Estado de S. Paulo (leia aqui
a íntegra), em que se defendeu das acusações. Nela, ele afirmou que as
alianças costuradas pelo PT foram essenciais para a governabilidade e
disse ainda estar pronto para voltar para a prisão, mas não para
encerrar sua carreira política. Confira os trechos mais relevantes.
A condenação
Foi uma condenação injusta porque se baseou na tirania da hipótese
pré-estabelecida. Eu era presidente do PT e participava de todas as
reuniões políticas do PT e com partidos da base aliada. Essa minha
função de presidente do PT é que me levou a essa injustiça monumental.
Eu não cuidava das finanças do partido e a minha relação com a política é
pública e transparente. Dizer que eu participei de corrupção ativa é
uma grande injustiça. Em juízo, o tesoureiro informal do PTB, Emerson
Palmieri, disse que nunca participou de reunião envolvendo dinheiro.
Vadão Gomes disse que ouviu falar, mas em juízo não confirmou. E o
Roberto Jefferson, dependendo do dia e do local, afirmava uma coisa ou
outra. No meu modo de entender é a ideia de verossimilhança. Usam-se
deduções. Era possível ou impossível? O julgamento penal precisa se
basear em provas concretas.
O PT como uma quadrilha
Chamar o PT e os militantes do PT de quadrilha é algo muito grave, na
minha avaliação. Era minha tarefa defender o governo Lula, a relação
com os movimentos sociais e a unidade da bancada num momento difícil.
Que associação ilícita? É um absurdo falar isso. A minha associação foi
em 1968 com o movimento estudantil. Na guerrilha, no PC do B, cinco anos
preso, na fundação do PT, deputado, constituinte, 24 anos de mandato.
Sempre defendi, inclusive quando estava na oposição, que a política se
baseia em disputa e negociação. Muitas vezes fui posição minoritária no
PT. Nunca tratei de dinheiro, de pagamento, de qualquer atividade
criminosa. Participei de negociações políticas. Misturar negociações
políticas, articulações e alianças com crime significa criminalizar a
política. Eu não aceito essa acusação de ter integrado quadrilha. O PT
não é um partido de quadrilheiro, de mensaleiro. Isso é uma afronta à
nossa história. O PT precisava fazer aliança ao centro para ganhar a
eleição e para governar.
Os empréstimos com os bancos mineiros
Esses empréstimos se constituem, na minha modesta compreensão
jurídica, em atos jurídicos perfeitos. A minha função na presidência do
PT era política e cada secretaria tinha a sua responsabilidade. Eu
assinava os empréstimos porque eram legais, necessários e foram
apresentados a mim pelo tesoureiro (Delúbio Soares), que era o
secretário de Finanças. Os dois empréstimos foram feitos porque o PT
precisava resolver problemas financeiros imediatos. Eu os avalizei na
condição de presidente do PT, sem nunca ter feito qualquer conversa ou
negociação com os bancos, até porque nunca estive nesses bancos.
Registrei os empréstimos na prestação de contas do PT, que está no
Tribunal Superior Eleitoral, de 2004, 2005 e 2006. Quando eu deixei de
ser presidente do PT, os empréstimos foram cobrados judicialmente. Eu
não tinha bens. Minha conta foi bloqueada e só foi aberta porque era
conta salário. Eu procurei o deputado Ricardo Berzoini, que era
presidente do PT, e disse que os dois empréstimos estavam na prestação
de contas do partido. Ele iniciou, então, uma negociação com os dois
bancos. O PT começou a pagar os empréstimos em 2007 e terminou em 2011.
Os empréstimos não são falsos nem fictícios. Pagamos com renovações e
com documentos assinados pelos advogados dos bancos e chancelados pelo
Judiciário.
Perseguição política
Eu peço licença para mostrar a perseguição. Fui diplomado no dia 18
de dezembro de 2006. No dia anterior, às 18h30, o Ministério Público
entrou na 4.ª Vara da Justiça Federal para apresentar a denúncia. O juiz
a recebeu em 20 minutos. Alguns ministros do Supremo até comentaram
essa rapidez. Quando eu virei deputado, o processo foi para o STF.
Entramos com habeas corpus para que o STF reexaminasse o recebimento da
denúncia (porque, segundo Genoino, havia sido feito em tempo recorde e
no último dia da inexistência do foro por prerrogativa de função). Quem
desempatou o pedido de habeas corpus foi a então presidente do STF,
Ellen Gracie, porque se tratava de matéria constitucional. Essa ação
ficou no STF em 2007, 2008, 2009 e 2010. No início de 2011, eu deixei de
ser deputado e a ação foi para a 4.ª Vara. Ficou um ano e meio lá. Numa
decisão monocrática, a juíza soltou a sentença e mandou um ofício para o
relator da Ação Penal 470 (Joaquim Barbosa). É muita coincidência e a
maneira como se deu o processo é prova de perseguição política. Não é
por acaso. É com o objetivo de me atingir. Eu não sou ingênuo. Vou
recorrer.
A participação de José Dirceu
Eu não faço comentário sobre companheiros do processo. Conheço o Zé
Dirceu desde 1968, fiz muitas disputas com ele no movimento estudantil,
no PT e no Parlamento. O PT é um partido de militância, os dirigentes
são eleitos, se expõem e não escondem a cara. Ele era ministro da Casa
Civil e eu era presidente do PT.
Sua relação com Lula
Estabeleci uma relação com ele de muita admiração. Não é algo
pessoal. É uma causa. É um objetivo. Esse projeto que está mudando o
Brasil incomoda e revolta setores preconceituosos, conservadores, que
não aceitam a vitória de 2006, com Lula, e de 2010, com a eleição da
presidenta Dilma. Eu disse, naquela entrevista, que o ataque era pelo
êxito das mudanças que o governo Lula estava fazendo no Brasil. A minha
geração é vitoriosa, apesar das adversidades. Nunca fiz emenda no
orçamento e era criticado por isso. Nunca fiz uma indicação para
qualquer cargo em governo. Sempre fui um lutador de ideais e de causas.
As alianças do PT
O PT aprendeu que sem aliança não ganharia a eleição e não
governaria. Eu sempre fui um defensor das alianças ao centro, mesmo
quando era minoria. Sempre defendi a aliança com o PMDB. Não houve crime
de compra de votos nem compra de deputados.
Acordos eleitorais
É da natureza do Parlamento fazer acordos eleitorais, alianças,
inclusive com a oposição. Essa criminalização da política é um caminho
às avessas para enfraquecer os poderes.
A participação de Delúbio
Eu não falo de nenhum companheiro do processo.
Governabilidade
Eu acho que o PT assumiu a Presidência numa situação muito delicada,
que era governar com o País correndo o risco de quebrar. Nunca esqueço
que Lula disse para nós que não ia deixar o Brasil quebrar na mesa dele.
E que iria tomar medidas duras, mas necessárias, para que o País
voltasse a crescer. Isso deu certo. Houve divergência dentro do PT.
Fizemos um trabalho político legítimo, que deu ao Lula as condições para
o êxito do seu governo, da sua reeleição. É o projeto que mudou o
Brasil, de diminuição da desigualdade social, de defesa da soberania, de
geração de empregos, de recuperação do papel do Estado para garantir os
investimentos.
Sua relação com Marcos Valério
Eu conheci Marcos Valério de vista, em julho de 2003, numa visita a
Ipatinga, na Usiminas. Isso está nos autos do processo. Nunca tratava
com ele. Nunca fiz reuniões com bancos nem para tratativa de dinheiro.
Eu me dedicava à política.
Solidariedade de Dilma
Tenho recebido solidariedade do Brasil inteiro. Falei com a
presidenta Dilma. Disse para ela o que escrevi na Carta Aberta ao
Brasil: "Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes". Não
quero criar qualquer tipo de embaraço para o governo da presidenta
Dilma. Tenho relação de muito respeito por ela, pela sua competência e
coragem.
Recurso a cortes internacionais
Temos de esperar o término do processo. Vou lutar de todas as formas
para provar a minha inocência. Eu já vi na história culpados serem
inocentados. A minha geração aprendeu uma coisa: "Não se dobra". As
noites escuras são longas, mas a minha paciência é maior. Aprendi isso
na vida.
Uma nova prisão
O meu estado de espírito é de um lutador. É como se eu estivesse em
1968, no Araguaia, na prisão política, na Constituinte, nas obstruções
do Congresso, na fundação do PT. Quem tem a consciência do inocente não
se curva, não se dobra. Não me dobrarei. Minha vida não foi para fazer
riqueza nem para aumentar patrimônio. Minha vida foi para lutar por
sonhos e causas. A palavra de ordem é resistir e preparar a luta dentro
dos marcos da democracia.
Futuro político
A vida política de nenhum cidadão se acaba. Às vezes a situação fica
mais difícil, mas a gente sempre encontra formas de lutar. Os valores
que fazem parte da minha vida são perenes e eu luto por eles como um
democrata, um socialista, um militante que fica indignado com as
injustiças. A frase que mais me marcou do Che foi quando ele disse que
um militante jamais pode aceitar a injustiça. Eu não aceito. Cumprirei
as decisões que me forem impostas, mas vou lutar com os meios que eu
tiver. Eu já lutei com tribuna, com microfone, com reunião e, nos anos
70, com outros instrumentos. Eu não vivo sem luta, não vivo sem política
e não vivo sem ideal. Aprendi a lutar em qualquer situação. A luta é um
gesto, é um assobio, é um canto.
O futuro do PT
Estamos tendo grande vitória política e eleitoral e estou torcendo
para que a gente consolide isso no segundo turno. O PT aprendeu que na
unidade, ganha; quando se divide, perde. Não pode se isolar e é
necessário fazer alianças. O PT é vitorioso politicamente e é nesse
clima que tem de discutir a sua história, a sua experiência. Um partido é
como a vida: a gente vai vivendo, aprendendo e amadurecendo. É legítimo
um partido querer continuar no poder. Se há uma grande questão a ser
colocada na pauta pelo PT é discutir uma reforma política profunda, com
base no financiamento público e na fidelidade partidária. Não se trata
de acerto de contas. A tarefa do PT é muito grande para ficar se
perdendo nessas questões.
Rótulo de corrupto
Eu não sou corrupto. Nunca pratiquei qualquer ato de corrupção. Nunca
pratiquei qualquer associação criminosa e tenho a consciência
tranquila. Estou sendo acusado e condenado numa injustiça monumental.
Vou lutar com a energia do combatente que prefere correr risco a baixar a
cabeça. Um grande amigo meu, político, mas não do PT, disse: "Genoino,
somos de uma geração que foi encurralada, mas nós não nos dobramos".
Arrependimentos
Na minha história, mesmo em momentos muito duros, não existe a
palavra arrependimento. Tudo o que fiz foi legal e politicamente
legítimo. Fiz coisas corretas, conscientes, para construir uma causa
justa, que está se materializando em melhorar a vida das pessoas.
O voto de Dias Toffoli pela sua condenação
Sempre tive uma relação formal com o ministro Toffoli. E essa relação
formal e respeitosa me coloca na seguinte situação: sobre o voto do
ministro Toffoli quem fala é o meu silêncio.
Os jornalistas como neotorturadores
Eu defendi na Constituinte a plena liberdade da imprensa e ajudei a
aprovar a Lei de Acesso à Informação. O meu desabafo ocorreu porque fui
procurado naquele dia por um grupo de jornalistas. Eu disse: "Não vou
falar". A maioria respeitou. Apenas um jornalista me seguiu até a
cabine, colocou um gravador na minha boca e começou a fazer perguntas em
voz alta, me provocando. Eu disse que ele se comportava como abutre que
tortura a alma humana. Sou contra o controle da imprensa e é necessário
que se respeite o direito à informação. Mas, assim como a liberdade de
imprensa é cláusula pétrea, os direitos individuais também fazem parte
disso e temos que equilibrar para que o monopólio dos meios de
comunicação não dê a última palavra.
A carta da filha Miruna
É a segunda carta da Miruna que me emociona muito. Eu disse para meus
filhos o seguinte: "O pai de vocês não tem riqueza, mas tem honra e
dignidade e vocês jamais terão vergonha dele. Diante da humilhação e da
servidão, o pai de vocês prefere o risco do combate". Eles concordam
comigo.
Brasil 247, via Brasil's News
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