Por JOÃO JOSÉ FORNI
Esta semana dois acontecimentos colocaram a ética jornalística sob
escrutínio. Nos dois casos, o desenlace foi a morte. Um no metrô de Nova
York. O outro acontecimento, num hospital de Londres, onde a princesa
Kate estava internada. Nos dois fatos jornalísticos, pergunta-se até que
ponto o furo de reportagem justificaria atitudes dos repórteres que
podem ser questionadas, sob o ponto de vista da ética jornalística e do
respeito à vida e à intimidade das pessoas.
A morte nos trilhos
A polícia de Nova York prendeu um suspeito de ter empurrado Ki-Suck
Han na linha do metrô, segunda-feira. Han foi fotografado segundos antes
de ser atropelado por um trem, pelo fotógrafo freelance R. Umar Abbasi,
que vendeu a foto para o jornal New York Post. A publicação da foto na
primeira página do jornal gerou milhares de manifestações, muitas delas
críticas, e intensa repercussão nas redes sociais.
O fotógrafo viu a cena, como também viram outras pessoas na estação,
mas ninguém interferiu ou tentou salvar a vítima de ser atropelado, ante
a chegada de um trem em alta velocidade. Ele não teve mais do que 22
segundos para se decidir. Por que o fotógrafo continuou fotografando e
não salvou Han? Tudo se deu em questão de segundos, de acordo com ele.
Houve uma discussão rápida entre os dois homens; logo em seguida Han foi
empurrado para a linha do metrô.
"Eles (quem critica) não estavam lá. Não têm ideia de quão rápido
aconteceu. O que fica passando todo o tempo na minha cabeça é que o
homem não gritou", disse Umar Abbasi. O acusado, Naeem Davis, 30 anos,
que foi preso no dia seguinte, aparentemente teve um surto e empurrou o
Sr. Han num gesto tresloucado. O assassino já teve passagens pela
polícia e não conhecia a vítima.
John Long, da National Press Photographers Association, dos Estados
Unidos, comentando a decisão do fotógrafo disse: "Eu não posso julgar a
pessoa, porque não conheço todas as circunstâncias. Mas quanto ao que
deveria ser seu dever naquela situação, ele é inequívoco. Se você se
colocou em uma situação em que você pode ajudar, você está moralmente
obrigado", diz ele. "A coisa certa a fazer teria sido colocar a câmera
de lado e tentar tirar o cara para fora. Eu posso entender por que as
pessoas estão chateadas. A missão como ser humano, diga-se de passagem,
vale mais do que a missão como fotojornalista."
Durante a semana, vários artigos questionaram se o fotógrafo deveria
ter posto a câmara de lado e salvado a vítima. Ele mesmo diz que
fotografou várias vezes para chamar a atenção do condutor do trem. E que
várias pessoas viram e nada fizeram, embora a imagem mostre uma
plataforma quase deserta.
O dilema ético de Umar Abbasi foi muito parecido com o do fotógrafo
Kevin Carter, vencedor do Prêmio Pulitzer, em 1993, com uma foto de uma
criança faminta no Sudão. A foto, chocante, mostra a criança só pele e
osso, agachada próxima às choupanas da aldeia, no interior do Sudão.
Próximo a ela, à espreita, uma ave de rapina. A publicação da foto
no New York Times, além de lhe render o prêmio, causou uma polêmica
internacional sobre o que teria acontecido à criança, ante a iminência
do ataque do abutre e sobre o que fez o fotógrafo. Karter se suicidou um
ano depois, aos 33 anos, aparentemente por depressão, num ato atribuído
à culpa sobre o que ele tinha testemunhado.
O dilema de Umar Abbasi talvez tenha sido o de não poder fazer nada
pela rapidez e o choque dos acontecimentos. Mas de qualquer forma, fica a
pergunta, até que ponto a missão de cobrir determinado fato pode ser
colocada acima do dever ético e humano de prestar ajuda a quem está
precisando? Quais os valores que alguém pesa diante de uma cena como a
do metrô de Nova York?
Por que o jornal comprou a foto e a estampou na primeira
página? Segundo Samantha Sharf, da revista Forbes, está claro que a
intenção de publicar a foto foi mais para chocar do que para edificar. O
jornal teve mais de 22 segundos para decidir, ao contrário do
fotógrafo. A eterna dúvida que perseguirá o fotógrafo será sempre a de
que ele, talvez, poderia ter salvo o atropelado. E a única imagem do
acontecimento seria apenas as das câmeras da plataforma da estação. Que
diferença isso faria para a sociedade americana?
Além da questão ética do jornalismo, a cena suscita também um debate
sobre como o espectador de uma cena como aquela deveria agir num momento
de crise. A propósito, ao contrário do que aconteceu com o trabalhador
americano Ki-Suck Han, a criança do flagrante de Kevin Carter se salvou,
segundo informes posteriores à morte do fotógrafo.
A tragédia da enfermeira
Em Londres, na terça-feira 4 a princesa Kate Middleton, mulher do
príncipe William, foi internada no Hospital Rei Eduardo VII, com
náuseas, decorrentes da gravidez. Dois radialistas australianos – Mel
Greig e Michael Shristian – ligaram para o hospital e fingiram, imitando
sotaque britânico, ser a rainha Elizabeth e o príncipe Charles, pedindo
notícias de Kate. A ligação foi atendida pela enfermeira Jacintha
Saldanha, às 5.30h, porque não havia telefonistas no horário. A seguir,
passou a ligação para uma colega que deu as informações.
Qual não foi a surpresa dos radialistas, quando o trote deu certo, e a
enfermeira passou a dar notícias de Kate como se fosse para os membros
da família real. "Pensávamos que eles desligariam assim que ouvissem
nossos sotaques terríveis", afirmaram os jornalistas em nota. A
enfermeira informante caiu no trote e forneceu detalhes sobre o estado
de saúde da princesa, como se fosse para a família, que acabaram
divulgados pela rádio e tiveram repercussão internacional.
Descoberta o trote, o hospital divulgou nota bastante constrangido,
informando que irá rever os protocolos de telefonia: "É um trote tolo
que deploramos. Levamos a confidencialidade a sério". Nesse caso,
diferentemente do episódio de Nova York, os jornalistas estão no papel
deles. Tentar informações reservadas pelos meios disponíveis,
principalmente sobre um assunto que galvanizava a mídia do Reino Unido,
mas desde que respeitem certos princípios éticos e não prejudiquem
terceiros. Quem deveria fazer a triagem dos telefonemas, para preservar
informações confidenciais, realmente deveria ser o hospital. Mas é
bastante questionável, do ponto de vista da ética jornalística, até que
ponto um jornalista pode se passar por outra pessoa para obter
informações. No jornalismo, nem sempre o fim justifica os meios.
O problema do trote teria sido superado, talvez com alguma
advertência à enfermeira pelo descuido, não tivesse terminado em
tragédia. Na sexta-feira 7, pela manhã, o corpo da enfermeira Jacintha
Saldanha foi encontrado numa rua de Londres. O desenlace, que chocou a
tradicional sociedade britânica, está sendo investigado como suspeita de
suicídio. Jacintha trabalhava no hospital há quatro anos e era uma
excelente profissional, segundo a direção. Nenhuma represália havia sido
tomada contra ela, diz o hospital.
Tanto o Palácio de Buckingham, quanto a estação de rádio, na
Austrália, divulgaram notas à imprensa, lamentando o trágico desfecho
para o episódio. Os jornalistas foram afastados até a completa apuração
dos fatos, embora a direção da rádio 2D FM, da Austrália, admita que
eles não quebraram nenhuma lei. Segundo a direção, eles estão devastados
com a morte da enfermeira, de 46 anos.
"Este é um caso trágico que não poderia ter sido previsto e nós
estamos profundamente entristecidos. Eu acho que trotes telefônicos são
uma ferramenta utilizada por rádios há muitas décadas, ao redor do
mundo, e ninguém poderia ter previsto o que aconteceu", disse Rhys
Holleran, diretor da rádio.
O hospital divulgou Nota com elogios à enfermeira.
2 comentários:
Prezado Professor Diógenes
Eu por dever de ofício, leio muitos livros, principalmente de História. Li recentemente um livro do Prof. Victor Paes de Barros Leonardi, Entre Árvores e Esquecimentos, que mostra como os jesuítas desestruturaram os indígenas. Eles criaram um abismo entre as crianças e seus pais, e entre essas mesmas crianças e a tribo. Montaram peças de teatro satíricas contra os pajés, depositários do conhecimento da tribo. E acabaram destruindo as próprias tribos e as próprias crianças.
O que a mídia faz é nada mais nada menos que copiar os jesuítas. A mídia faz o papel deles. O povo faz o papel das crianças e o PT dos pajés. Se não reagirmos conscientizando as pessoas nas praias, bares, supermercados, e outros locais públicos, o povo vai acabar elegendo os seus inimigos, como as crianças indígenas fizeram.
É preciso lembrarmos que a mídia é inimiga do PT porque teve interesses contrariados. O PT acabou com o monopólio dos livros didáticos e das verbas de publicidade. Precisamos lembrar que a refeição do empresário não é o grude do peão. Que não faz sentido votarmos em gente que não defende o interesse nacional.
Professor, isto é um ótimo tema de aula, não lhe parece?
Saudações, João Paulo Ferreira de Assis.
Caro João Paulo,
Sem dúvida que, para uma aula, o tema é um prato cheio. Eu não conheço o livro a que faz referência, mas vou dar uma procurada.
A mídia golpista precisa ser, diuturnamente, desmascarada.
Grande abraço e grato pelo comentário e pela sugestão de leitura.
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