Num artigo um tanto ingênuo (ou, quem sabe, mal intencionado), o autor de "Viva o povo brasileiro" diz que nem o governo petista é de esquerda nem a imprensa brasileira adota condutas antidemocráticas; ele afirma ainda que "golpista é quem busca silenciá-la ou controlá-la"; escritor desconsidera a ação política dos meios de comunicação e de seus próprios colunistas em defesa de seus interesses, que, muitas vezes, avançam quando instituições são sequestradas pela ditadura da "opinião pública"
Segundo o escritor João
Ubaldo Ribeiro, que é também colunista do Globo, onde eventualmente se
aventura na política, o governo petista não é de esquerda e a imprensa
brasileira não adota comportamentos antidemocráticos. Golpista, na sua
visão, é quem tenta silenciá-la. Ubaldo desconsidera a intensa ação
política dos meios de comunicação tradicionais, e de seus colunistas,
que, em vários episódios recentes, agiram em favor de seus próprios
interesses e tentaram emparedar instituições, como o Supremo Tribunal
Federal e a Procuradoria-Geral da República. Leia abaixo sua
argumentação:
Que elites, que esquerda? - JOÃO UBALDO RIBEIRO
A cada instante e cada
vez mais, somos alvejados por milhares de informações de todos os tipos,
muitas delas procurando, como consequência final, alterar nosso
comportamento, seja para pormos fé nas lorotas pseudoestatísticas e
conceituais que nos pregam os fabricantes de remédios, pastas de dentes e
produtos de farmácia em geral, seja para acreditarmos que determinado
partido político, ao pedir com fervor nossa adesão, realmente tem alguma
identidade que não seja a que lhes emprestam seus tão frequentemente
volúveis caciques. Aparentemente, nossos cérebros se defendem de ser
entulhados com essa tralha e grande parte dela é esquecida.
Mas em algum lugar da
mente ela permanece e afeta talvez até nossa maneira de ver o mundo. Se
prestarmos atenção aos comerciais de tevê e fizermos um esforçozinho de
abstração, veremos que temos plena ciência de que quase todos eles, ou
mesmo todos, se apoiam em pelo menos uma mentira ou distorção. O xampu
não produz cabelos como aqueles, a empresa não dá o atendimento ao
cliente que apregoa, o plano de saúde falha na hora da necessidade, a
velocidade da banda larga não chega nem à metade do que contrata, o
sistema de saúde que descrevem como o nosso parece gozação com o pessoal
que estrebucha em macas no hospital, o banco professa carinho e oferece
gravações telefônicas diabólicas, o lançamento imobiliário mente sobre
as vantagens do bairro e a segurança da construtora, a moça não é bonita
como aparece, o sinal da operadora não é confiável, a prestação sem
juros é enganação, a garantia do carro não vale nada para a
concessionária. Tudo, praticamente, é mentira e sabemos disso. Mas,
mistérios desta vida, agimos como se não soubéssemos, numa postura
acrítica e já meio abestalhada.
Em relação à política,
talvez nossa situação possa ser até descrita em termos mais drásticos.
As afirmações mais estapafúrdias são divulgadas e ninguém se preocupa em
examiná-las. Não me refiro a chutes que prostituem a estatística e
fazem dela, como já se disse, a arte de mentir com precisão. Os números
nos intimidam desde a escola primária e qualquer embusteiro se aproveita
disso para declarar que 8.36% (quanto mais decimais, melhor) de alguma
coisa são isso ou aquilo e ver esta assertiva ser recebida
reverentemente, como se não fosse possível desconfiar de tudo, da coleta
dos dados, às categorias empregadas e os cálculos feitos. Média, então,
é uma festa e eu sempre penso em convidar o dr. Bill Gates para morar
em Itaparica e me transformar em nativo do município de maior renda
média do Brasil, cuíca do mundo.
Não, não me refiro a
números, mas a alegações estranhas. Por exemplo, esse negócio de o
governo ser de esquerda. Só se querem dizer que a maior parte do nosso
cada vez mais populoso bando ministerial é constituído de canhotos. O
presidente Lula, que não quis ser presidente emérito e prefere continuar
sendo presidente perpétuo mesmo, já disse — e creio que com sinceridade
— que não é, nem nunca foi, de esquerda e que não usa mais nem a
palavra “burguesia”. E que é que o governo fez que caracterize uma
posição de esquerda? Apoiar Chavez com beijos e abraços, ao tempo em que
respalda os bilhões de dólares de negócios brasileiros na Venezuela?
Manter boas relações com Cuba, o que não quer dizer nada em matéria de
objetivo político? Ser da antiga turma que combatia o governo, no regime
militar? E já perguntei aqui, mas pergunto de novo: o PMDB é de
esquerda? Quem é esquerda, nesse balaio todo? Furtar, desviar, subornar,
corromper são de esquerda? Zelar por valores éticos e morais é de
direita?
É gritaria da direita
reclamar (e pouca gente reclama) do descalabro inacreditável em que se
tornaram as trombeteadas obras do rio São Francisco, hoje uma vasta
extensão de ruínas e destroços, tudo abandonado ao deus-dará, em pior
estado do que cidades bombardeadas na Segunda Guerra? Ou o que está
acontecendo com a Petrobras, que, da segunda posição entre as
petrolíferas, despencou para a oitava e pode despencar mais, acrescida a
circunstância de que ninguém explica direito qual é mesmo a situação do
hoje já não tão radioso pré-sal? E combater a miséria nunca foi de
esquerda ou direita. Ter altos índices de popularidade tampouco.
Também se diz que as
elites dominantes querem derrubar o governo. Que elites dominantes? A
elite política, que se saiba, é a que exerce o poder político. O Poder
Executivo é exercido pelo governo que está aí e que, presumivelmente,
não atua contra si mesmo. O Poder Legislativo está sob o controle da
base do governo. E o Judiciário, por mais que isso seja desagradável aos
outros governantes, não pode associar-se à ação política no sentido
estrito. Já as elites econômicas não parecem empenhadas em subverter uma
situação em que os bancos têm lucros nunca vistos, conforme o próprio
presidente perpétuo já frisou, e as empreiteiras estão muito felizes e,
convocadas pela presidente adjunta, prometeram fazer novos
investimentos. Qual é a elite conservadora que está descontente e faz
oposição ao governo? É justamente o contrário.
Finalmente, temos a
imprensa golpista. Que imprensa golpista? Que editorial ou comentário
pediu golpe? Comportamento golpista é o de quem acusa o Judiciário de
ser agente de armações politiqueiras, quem chega a esboçar desobediência
a ordens judiciais, quem se diz vítima de linchamento, quando foi
condenado em processo legítimo e incontestável. A imprensa sempre se
manifesta contra o desrespeito à Constituição e a desmoralização das
instituições democráticas e tem denunciado um rosário sem fim de ações
lesivas ao interesse público. Golpista é quem busca silenciá-la ou
controlá-la, não importa que explicações se fabriquem e que eufemismos
inventem.
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Nota da editor-geral do Terra Brasilis:Como se já não bastasse o Ferreira Gullar, vem-me agora o João Ubaldo Ribeiro... Esses caras, craques da literatura brasileira, agem como aqueles garotos que são donos da bola: acham que devem jogar sempre e fazer gol sempre... E o que é pior: creem que inventaram a bola! Preservo-os, apenas, no campo da literatura. Afora isso...!
4 comentários:
Só li o comecinho e nem quis ler o resto.
Já dizia um sábio:-Cada macaco no seu galho.
Novelista vive de ilusão...
Cumpadi Carlos Cassaro,
O bom novelista ou, em linhas gerais, a boa literatura recria, esteticamente, a realidade que nos circunda.
Abs
Exato. Mas divaga. E esse é o caso...
FALTOU O PS - ESTE TEXTO DE JOÃO UBALDO MARCA A SUA ESTRÉIA NA LITERATURA INFANTIL.
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