Por Mário Augusto Jakobskind
Depois de quase 36 anos e meio da morte do Presidente João
Goulart (6 de dezembro de 1976), a Comissão Nacional da Verdade e o
Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul decidiram, finalmente,
exumar o corpo do herdeiro político de Getúlio Vargas. Muitos devem
estar dizendo, antes tarde do que nunca.
Mas não se pode esquecer que logo após a morte de Jango, as
autoridades brasileiras e argentinas se recusaram a fazer a autopsia.
Por que será?
Há fortes indícios de que Jango foi mesmo assassinado com a troca de
remédios. Embora deva ser considerado louvável a inicativa da Comissão
Nacional da Verdade, não se pode garantir que depois de tanto tempo a
exumação seja considerada conclusiva.
Como se sabe, há testemunhas, como a do ex-agente da repressão
uruguaia, Mario Barreiro, que conta com detalhes como ocorreu a troca de
remédios que teria provocado a morte do Presidente.
Vale ainda lembrar que recentemente a Justiça argentina – Jango
morreu em Las Mercedes, na Argentina – tinha solicitado às autoridades
brasileiras que fosse feita a exumação. O pedido não foi respondido, o
que só agora acontecerá graças a Comissão da Verdade.
É preciso também que a Comissão procure esclarecer com precisão o que
poucas semanas antes da morte de Jango foi fazer no Uruguai (Jango
ainda estava lá) o famigerado delegado Sérgio Fleury, que recebeu
grandes elogios por parte do então deputado estadual pela Arena de São
Paulo, José Maria Marin, atual presidente da Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) .
Da mesma forma que Jango, ainda falta esclarecer em definitivo a
morte de Juscelino Kubitschek em acidente de carro na Rio-São Paulo em
que o motorista, segundo denúncias, teria sido baleado, fato não
investigado como deveria.
O terceiro participante da Frente Ampla, Carlos Lacerda, segundo
denúncias, ingressou em um hospital para cuidar do agravamento de uma
gripe e acabou morrendo.
Os três naquele momento de 1976, em função da carência de lideranças
civis de envergadura nacional, poderiam, em caso de uma abertura, ser
eleitos por voto popular, algo que os generais de plantão não
conseguiam. Sempre foram biônicos.
Eleger Jango, JK ou mesmo Lacerda naquele momento era tudo que o
general de plantão da ocasião (Ernesto Geisel) e seu “mago”, o Coronel
Golbery do Couto e Silva, não queriam. Temiam perder o controle da
propalada abertura lenta e gradual, que nunca passou de uma peça de
marketing do sistema que agonizava.
A extrema direita, a das bombas e atentados praticados, muitas vezes
com o objetivo de incriminar a esquerda, tentava também à sua maneira
manter o regime ditatorial.
Para conhecer tudo o que aconteceu naquele período é preciso também
lembrar fatos e contextualizá-los. É preciso não esquecer da política
econômica praticada pelos governos ditatoriais, responsáveis em grande
medida pela redução do poder aquisitivo dos assalariados, resultando na
perda de qualidade de vida de amplas parcelas da população.
Tudo isso faz parte de um todo que derivou na dura repressão
praticada por agentes do Estado brasileiro, que obedeciam ordens
superiores, mas agiam de forma mais realista do que o rei, como acontece
em regimes do tipo implantado a partir de 1964.
A Comissão Nacional da Verdade tem a missão histórica de mostrar aos brasileiros tudo isso com detalhes.
Audiência pública - Na audiência pública com militares
perseguidos pelo regime ditatorial, realizada na ABI no sábado (4),
muitas histórias sobre o setor apareceram, uma delas, por exemplo, a de
oficiais que se recusaram a participar de uma ação para derrubar o avião
de Jango, a chamada Operação Mosquito, em 1961. Acabaram cassados e
presos depois do golpe de 64. Foi uma das primeiras vinganças contra
militares legalistas praticadas pelos militares golpistas cooptados pelo
Deprtamento de Estado norte-americano que se apossaram do poder.
Na mesma audiência, Luis Claudio Monteiro da Silva contou que foi
preso, torturado e expulso dos quadros do Exército porque foi pego no
alojamento lendo um artigo elogioso a Darcy Ribeiro. E, pasmem, isso
aconteceu na década de 80. Além de ter sido interrompido o seu sonho de
se tornar militar, Luis Claudio até hoje guarda sequelas das torturas.
Quem assistiu a histórica sessão da Comissão da Verdade foi informado
também que cerca de 7.500 militares foram punidos pelos golpistas de
64.
A perseguição chegou a tal ponto que até hoje muitos militares de
escalões inferiores, como cabos e sargentos, continuam sem ser
anistiados. Tanto eles como oficiais, legalistas e nacionalistas, que
defendiam a legalidade, seguem sendo tratados como parias quando vão a
alguma repartição militar.
A história desses militares precisa ser conhecida pelos brasileiros
em todos detalhes. Espera-se que Comissão da Verdade cumpra com a missão
histórica. O primeiro passo nesse sentido foi dado com a Audiência
Pública.
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