segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Aviso aos indignados


Tratamento desigual para o esquema financeiro do PT e do PSDB foi resolvido no STF em agosto de 2012

É preciso reconhecer que não há surpresa nenhuma diante dos primeiros resultados do mensalão PSDB-MG.

Em função da idade, um dos réus mais importantes acaba de ter sua pena prescrita. Em breve, o próprio tesoureiro também irá receber o mesmo benefício.

A indignação diante desses resultados, depois das  sentenças pesadas recebidas pelos réus da Ação Penal 470, ilustra uma situação chocante, é verdade. Mas, na prática, apenas demonstra que o comportamento moralista é essencialmente seletivo. 

Não vamos nos iludir. O tratamento desigual apenas traduz um resultado  tão previsível  como a chegada do dia após a noite.

Por 9 votos a 2, o STF decidiu, em agosto de 2012, que iria julgar os 37 réus da ação penal 470 num bloco só, sem direito a uma segunda instância. A maioria folgada não reflete a gravidade daquela decisão. Nada menos que 34 réus eram cidadãos sem direito a foro privilegiado. Por esse motivo, o Supremo não tinha sequer competência constitucional para julgar, como já explicou, numa entrevista de mestre, o professor Dalmo de Abreu Dallari.

Por essa razão, eles deveriam, também, ter sido julgados como acontece com os réus do mensalão do PSDB-MG. Em varas de primeira instância, por juízes comum. O mesmo critério, aliás, foi definido para o mensalão do DEM-DF, que também está desmembrado.

Quem fica indignado com o tratamento desigual precisa entender este aspecto. O que se vê hoje  não é fruto do acaso, nem de uma  eventualidade. É parte de uma opção jurídica definida a partir de uma visão política que construiu o mito do que estávamos diante do  “maior escândalo de corrupção da história do país.”

A desigualdade de hoje é o resultado inevitável  daquela decisão tomada meses depois que os mesmos juízes do mesmo tribunal já haviam decidido desmembrar o mensalão PSDB-MG, consolidando uma jurisprudência que, nas palavras de Janio de Freitas, criou “Dois pesos, dois mensalões.”

Poucos protestaram, na época. Muitos acharam que era conversa de quem só queria protelar o caso e  garantir a impunidade. 

Poucos criticaram, embora fosse uma disparidade tão óbvia, tão absurda, que não escapou a este blogueiro, que é o primeiro a admitir sua condição de amador nos fundamentos do Direito. Escrevi,  no dia 3 de agosto de 2012, o seguinte:  

“O mensalão mineiro, mais antigo que o petista, envolve o mesmo empresário Marcos Valério, as mesmas agências de publicidade, e até o Banco do Brasil (...) Mesmo assim, foi desmembrado. Isso beneficiará os réus que forem julgados na primeira instância. Em caso de condenação, terão direito a um segundo julgamento. (...) Essa decisão tão diferente, para situações tão parecidas, vai gerar muita polêmica, estejam certos.”

O julgamento em bloco cumpriu uma função básica na ação penal 470.

Permitiu sustentar a teoria do domínio do fato e colocar os réus como membros de uma organização criminosa única, com um núcleo publicitário, um núcleo financeiro e um comando político.  

Se os réus fossem desmembrados, seria preciso julgar cada um individualmente,  com suas culpas e responsabilidades definidas e provadas. Não seria lógico montar uma acusação única para ser sustentada em tribunais diferentes, perante réus com situações diferentes.

A opção pelo julgamento unificado sugere que a maioria do STF já tinha um visão pré-definida sobre o que seria examinado e como pretendia tratar os réus – de forma coletiva, onde culpas não eram individualizadas, mas se definiriam em relação a uma pratica coletiva.

Já havia, portanto, a convicção de que eles formavam uma organização – e uma “organização criminosa.”

A indignação contra eventuais benefícios que a lei reserva a todo cidadão – inclusive réus do mensalão PSDB-MG – tem um aspecto compreensível mas é um erro. Implica em revogar garantias do Estado de Direito apenas para impedir o questionamento da ação penal 470.

A ação penal 470 foi conduzida com regras de exceção, prática típica de julgamentos políticos, que não devem repetir-se novamente.  

A injustiça não vem de Belo Horizonte. Foi cometida em Brasília e é isso que precisa ser encarado. 

A menos, claro, que se pretenda transformar um abuso lamentável em jurisprudência.  O que se trata é corrigir os erros cometidos e não ensaiar novos corais moralistas. 

Por isso os embargos infringentes são importantes - poderão, no caso de determinados réus, amenizar a injustiça de penas fortes para provas fracas.

O mesmo vale para o exame do inquérito 2474, que contém 78 volumes de fatos, provas e testemunhas que ficaram de fora do julgamento.

Paulo Moreira Leite [aqui]

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