Tratamento desigual para o esquema financeiro do PT e do PSDB foi resolvido no STF em agosto de 2012
É preciso reconhecer que não há surpresa nenhuma diante dos primeiros resultados do mensalão PSDB-MG.
Em função da idade, um dos réus
mais importantes acaba de ter sua pena prescrita. Em breve, o próprio
tesoureiro também irá receber o mesmo benefício.
A indignação diante desses
resultados, depois das sentenças pesadas recebidas pelos réus da Ação
Penal 470, ilustra uma situação chocante, é verdade. Mas, na prática,
apenas demonstra que o comportamento moralista é essencialmente
seletivo.
Não vamos nos iludir. O tratamento desigual apenas traduz um resultado tão previsível como a chegada do dia após a noite.
Por 9 votos a 2, o
STF decidiu, em agosto de 2012, que iria julgar os 37 réus da ação penal 470 num bloco só, sem direito a uma segunda instância. A maioria
folgada não reflete a gravidade daquela decisão. Nada menos que 34 réus
eram cidadãos sem direito a foro privilegiado. Por esse motivo, o Supremo não tinha sequer competência constitucional para julgar, como
já explicou, numa entrevista de mestre, o professor Dalmo de Abreu
Dallari.
Por essa razão,
eles deveriam, também, ter sido julgados como acontece com os réus do
mensalão do PSDB-MG. Em varas de primeira instância, por juízes comum. O
mesmo critério, aliás, foi definido para o mensalão do DEM-DF, que
também está desmembrado.
Quem fica indignado
com o tratamento desigual precisa entender este aspecto. O que se vê
hoje não é fruto do acaso, nem de uma eventualidade. É parte de uma
opção jurídica definida a partir de uma visão política que construiu o
mito do que estávamos diante do “maior escândalo de corrupção da
história do país.”
A desigualdade de hoje é o
resultado inevitável daquela decisão tomada meses depois que os mesmos
juízes do mesmo tribunal já haviam decidido desmembrar o mensalão
PSDB-MG, consolidando uma jurisprudência que, nas palavras de Janio de
Freitas, criou “Dois pesos, dois mensalões.”
Poucos protestaram, na época. Muitos acharam que era conversa de quem só queria protelar o caso e garantir a impunidade.
Poucos criticaram, embora fosse
uma disparidade tão óbvia, tão absurda, que não escapou a este
blogueiro, que é o primeiro a admitir sua condição de amador nos
fundamentos do Direito. Escrevi, no dia 3 de agosto de 2012, o
seguinte:
“O mensalão mineiro, mais antigo que o petista, envolve o mesmo empresário Marcos Valério, as mesmas agências de publicidade, e até o Banco do Brasil (...) Mesmo assim, foi desmembrado. Isso beneficiará os réus que forem julgados na primeira instância. Em caso de condenação, terão direito a um segundo julgamento. (...) Essa decisão tão diferente, para situações tão parecidas, vai gerar muita polêmica, estejam certos.”
O julgamento em bloco cumpriu uma função básica na ação penal 470.
Permitiu sustentar a teoria do
domínio do fato e colocar os réus como membros de uma organização
criminosa única, com um núcleo publicitário, um núcleo financeiro e um
comando político.
Se os réus fossem
desmembrados, seria preciso julgar cada um individualmente, com suas
culpas e responsabilidades definidas e provadas. Não seria lógico montar
uma acusação única para ser sustentada em tribunais diferentes, perante
réus com situações diferentes.
A opção pelo
julgamento unificado sugere que a maioria do STF já tinha um visão
pré-definida sobre o que seria examinado e como pretendia tratar os réus
– de forma coletiva, onde culpas não eram individualizadas, mas se
definiriam em relação a uma pratica coletiva.
Já havia, portanto, a convicção de que eles formavam uma organização – e uma “organização criminosa.”
A indignação contra eventuais
benefícios que a lei reserva a todo cidadão – inclusive réus do mensalão
PSDB-MG – tem um aspecto compreensível mas é um erro. Implica em
revogar garantias do Estado de Direito apenas para impedir o
questionamento da ação penal 470.
A ação penal 470
foi conduzida com regras de exceção, prática típica de julgamentos
políticos, que não devem repetir-se novamente.
A injustiça não vem de Belo Horizonte. Foi cometida em Brasília e é isso que precisa ser encarado.
A menos, claro, que se pretenda
transformar um abuso lamentável em jurisprudência. O que se trata é
corrigir os erros cometidos e não ensaiar novos corais moralistas.
Por isso os embargos infringentes são importantes - poderão, no caso de determinados réus,
amenizar a injustiça de penas fortes para provas fracas.
O mesmo vale para o exame do
inquérito 2474, que contém 78 volumes de fatos, provas e testemunhas que
ficaram de fora do julgamento.
Paulo Moreira Leite [aqui]
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