Jornalismo como deve ser: Greenwald com Lula |
Disse ontem que a entrevista de Mírian Dutra por Mariana Godoy foi uma lição de mau jornalismo.
É com satisfação que digo agora que a entrevista de Lula por Glenn Greenwald foi o oposto: uma aula magna de jornalismo. (Aqui, em português.)
Greenwald não deixou de fazer uma única pergunta indigesta a Lula. Foi firme, foi sereno, foi respeitosamente altivo. Falou quando tinha que falar, ouviu quando tinha que ouvir, contrapôs quando tinha que contrapor.
Greenwald é americano radicado no Brasil, onde mora com seu companheiro. É um jornalista de esquerda, e tem prestígio mundial. Já levou um Pulitzer, o maior prêmio global de jornalismo.
Greenwald se colocou também quando achou que devia. Por exemplo, ao falar da imprensa brasileira.
Para um americano como ele, é chocante ver o comportamento da mídia. Três famílias “muito ricas”, sublinhou ele, sabotam a democracia e se dedicam a defender seus interesses – os da plutocracia.
Greenwald não consegue entender como isso pode acontecer numa sociedade razoavelmente avançada como o Brasil.
Parte da responsabilidade deve ser atribuída ao próprio PT de Lula, que em doze anos de poder jamais ousou enfrentar a tirania das empresas jornalísticas, numa tentativa de conciliação que se provou desastrosa e, talvez, suicida.
Ano após ano, com monotonia chocante, Lula primeiro e Dilma depois continuaram a prática de antecessores de inundar de dinheiro público Globo, Abril, Folha e demais grandes empresas de jornalismo.
O caso mais absurdo é o da Globo: 500 milhões de reais ao ano em propagandas federais, mesmo com audiências declinantes e um jornalismo brutalmente deformado e deformador, como notou Greenwald em sua entrevista a Lula.
Não é exagero dizer que o exército de jornalistas antidemocracia da Globo, e não só dela, foi paradoxalmente financiado pelo PT.
Este tópico não foi abordado na entrevista, e é uma pena.
Um outro instante em que o entrevistador quase pediu socorro ao entrevistado para entender uma aberração brasileira disse respeito a Eduardo Cunha.
Como explicar a um estrangeiro, perguntou Greenwald, que um corrupto contra o qual pesam provas tão esmagadoras continue na presidência da Câmara e lidere algo tão dramático quanto um processo de impeachment?
Cunha, é certo, foi protegido por políticos como Aécio, pela mídia, pela Lava Jato de Moro e, se não bastasse tudo isso, pela Justiça: o STF o viu, de braços cruzados, fazer horrores, mesmo depois de conhecidos seus crimes de corrupção.
Dados todos estes descontos, é certo também que faltou mobilização popular para afastar e prender Cunha.
Os movimentos sociais que recentemente saíram às ruas contra o golpe não se dedicaram a varrer Cunha da vida pública. Tivessem se mexido como agora, e Cunha estava na cela.
Lula não conseguiu explicar convincentemente a Greenwald a invulnerabilidade de Eduardo Cunha.
Ninguém consegue explicar. E ninguém consegue entender.
Um ladrão pode ocupar a presidência da República, caso o golpe passe.
É uma possibilidade real e aterradora, e contra ela os brasileiros têm que se bater epicamente nesta semana vital para o destino da democracia.
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