domingo, 3 de julho de 2011

Em busca do pastor assassinado


Por Rui Martins

Berna (Suiça) - Era o ano de 1980 e eu tinha ido ao Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, como reporter da Rádio Suíça Internacional, para entrevistar o reverendo Charler Harper sobre questões ligadas à defesa dos direitos humanos no Brasil.


Sob ditadura militar, o Brasil, naquela época, era alvo de numerosas denúncias por torturas, assassinatos e desaparecimentos, nos jornais europeus. E nosso país tinha um papel importante de apoio à chamada Operação Condor utilizando seus consulados e suas embaixadas e onde os adidos militares eram ativos, prestando serviços aos países governados por ditaduras militares do Cone Sul latinoamericano, desde Montevideu, no Uruguai, a Santiago, no Chile.


A Rádio Suíça Internacional, onde eu acabara de entrar vindo de Paris, assim como a BBC e a RFI, teve um papel importante na divulgação dos crimes da ditadura brasileira e divulgava para o Brasil, em ondas curtas, o que se revelava, principalmente em Genebra, através de relatos de exilados e relatórios de organizações internacionais.


Essa Rádio tinha sido uma fonte de informação, na Europa, sobre o sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher pela VPR, em dezembro de 1970, cuja libertação ocorreu em troca de 70 presos políticos enviados ao Chile e ali libertados. Entre eles, Alfredo Sirkis. Em 1981, com a publicação do livro de Sirkis, Os Carbonários, contando com detalhes o episódio, tive a oportunidade de me encontrar com Bucher, em Lugano, na Suíça italiana, que me deu sua versão do sequestro, publicada no jornal Le Matin de Lausanne.


Mas voltando a Genebra, onde tinha entrevista marcada com Charles Harper, sua secretária me informou haver um atraso, pois Harper estava em conferência com o pastor James Wright.


Não consegui disfarçar minha surpresa – James Wright? Para mim, aquela era uma coincidência extraordinária.


Líder da mocidade presbiteriana, em Santos, ainda adolescente, tinha acompanhado a trajetória de Paulo Stuart Wright, irmão de James, pela revista Mocidade, e seu desaparecimento, logo depois de preso em São Paulo, pelo Doi-Codi. Paulo Wright tinha sido uma das vítimas da decisão da Igreja Presbiteriana de apoiar o golpe e os militares. Assim como seu irmão James, demitido do ministério pelo presidente do Supremo Concílio, Boanerges Ribeiro, que fora pastor de minha igreja em Santos, quando eu era ainda criança e adolescente.


Enfim, abriu-se a porta e surgiu um homem alto e de presença marcante. Antes que James Wright partisse, cheguei até ele, me apresentei e lhe falei sobre um projeto de há alguns anos - « queria escrever um livro sobre seu irmão Paulo Wright ». Marcamos um encontro no seu hotel, para depois da entrevista com Charles Harper, e enquanto tomávamos um café na recepção me falou de seu irmão. E lhe disse - "quero escrever um romance sobre Paulo e sobre os presbiterianos durante a ditadura, porém não tenho nada sobre ele, terei de criar uma fição". Mas essa possibilidade não perturbou James - "escreva o que achar melhor, nós mesmos pouco sabemos sobre ele".


James Wright não me contou porque estava ali em Genebra. Era um segredo guardado a sete chaves. Cinco anos depois, em 85, tornou-se tudo público – James trabalhava naquela época, junto com o cardeal de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, no levantamento das denúncias contidas no livro Brasil: Nunca Mais. E, faz apenas quinze dias, foram para São Paulo os pacotes com os documentos que eram enviados a Genebra, guardados no Conselho Mundial das Igrejas, com os relatos das torturas, processos, mortes e desaparecimentos no Brasil. Esses documentos ficarão abertos ao público, nos Arquivos do Estado de São Paulo, e serão digitalizados para serem preservados na memória e na história brasileira.


Uma triste constatação neles se encontra – muitas igrejas, pastores e dirigentes, assim como membros, presbiterianos, batistas, metodistas, aderiram ao golpe militar de 64 e denunciaram crentes considerados subversivos aos militares. E, por isso, foram presos, torturados e alguns desapareceram. Entre eles, Anivaldo Padilha, que também conheci em Genebra e que sobreviveu como exilado.


Boanerges Ribeiro, o meu pastor da infância, tão amado por meus pais, em cujos cultos ouvi falar pela primeira vez em Marx, Engels e no perigo do comunismo, foi um dos principais inquisidores. Demitiu pastores e seminaristas, fechou seminários e afugentou a juventude anti-golpista de suas igrejas. A revista Isto É publicou uma excelente reportagem a respeito desses anos em que os protestantes deduravam e apoiavam os militares.


E o livro? Muitos capítulos foram escritos, iniciados ainda em 1980, numas férias na ilha grega de Tinos, sempre interrompidos por meu trabalho de jornalista, crises e depois por falta de mais elementos.


Trinta anos se passaram, James Wright já morreu e não poderá ler, mas até o fim deste ano estará, enfim, concluído esse romance sobre os evangélicos no Brasil, sobre a fé, os fundamentos da fé, a descrença, a desesperança, a reconversão, a ilusão, a religião analgésica, um pouco de tudo que fez sofrer Paulo Wright.


Um longo caminho de pesquisa e reflexão Em busca do pastor assassinado.

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