Itamar 1: o político suscetível
Não é fácil entender o perfil político de Itamar Franco.
Tenho a impressão de que a política brasileira jamais conviveu com político com tamanha suscetibilidade.
Lembro-me dele na campanha de Tancredo ao governo de Minas, em 1982. Fui para Poços ajudar meu pessoal.
Montar o comício foi um suplício. A comitiva de Tancredo ficou hospedado no Hotel Joia. Reunião com prefeitos da região e nada de Itamar aparecer. Tancredo perguntou o que aconteceu. Mosconi – que ainda não era deputado – informou Tancredo que Itamar estava ressentido porque dizia que um senador deveria ser comunicado dos eventos com um dia de antecedência.
Com paciência infinita, Tancredo foi até o apartamento de Itamar e o convenceu a descer.
Itamar na mesa, com os prefeitos, começam os discursos. Tancredo passa a palavra a um prefeito. Itamar se levanta e se retira da mesa.
No dia seguinte explica que, em uma solenidade política, o primeiro a ter direito à palavra é o político com cargo mais elevado: no caso, ele, senador.
Esse estilo confuso perpassou toda sua carreira.
Candidato a vice-presidente, na chapa de Fernando Collor, só aceitava viajar sozinho no jatinho de campanha. Não admitia companhia.
Essas estranhezas acabaram compondo sua personalidade pública e tornando-o uma espécie de tio ranzinza do país, encrenqueiro que nem ele só, mas boa gente.
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Itamar 2: a corte e a Ministra alta, linda e inteligente
A biruta de aeroporto
Não passava um dia sem que o país fosse sacudido pelas estranhezas de Itamar.
As primeiras vítimas foram Paulo Haddad e Gustavo Krause, respectivamente Ministro da Fazenda e do Planejamento. Eram frequentes as interferências do staff próximo a Itamar na vida de ambos, especialmente o Ministro da Justiça Maurício Correa, o Chefe da Casa Civil Henrique Hargreaves e o Consultor Geral da República, o suspeitíssimo José de Castro.
Certa vez, Maurício Correa chegou a pegar um estudo de Haddad sobre a economia e passar para o Josias de Souza. Um estudo convencional foi tratado com estardalhaço, tirando trechos do discurso para falar em ameaça de hiperinflação.
Critiquei acerbamente a irresponsabilidade de Correa. Pouco depois da coluna publicada recebo um telefonema de um assessor dele, perguntando se aceitaria conversar com o Ministro. Disse que sim. Minutos depois, outro telefonema e o próprio Maurício Correa ao telefone:
- E aí, turcão!
Era esse clima de compadrio que definia as relações internas do grupo e permitia toda sorte de interferências na equipe econômica.
A queda de Krause foi curiosa. Diariamente Itamar desqualificava ministros, assessores. Numa noite, o Jornal da Bandeirantes deu uma matéria mostrando Krause sendo destratado. Comentei a matéria prevendo sua renúncia no dia seguinte. O grande Luiz Guttenberg, que fazia os comentários políticos da Band, entrou depois do meu comentário, desqualificando-o completamente. Disse ter estado naquele dia com Krause e que não havia nenhuma vontade dele em renunciar.
No dia seguinte, Krause renuncia. Tempos depois encontrei-o, lembrei do episódio e quis saber o que aconteceu. E ele:
- Não pensava em renunciar, não. Mas quando ouvi sua análise, prevendo mais crises pela frente, percebi que não dava para continuar com Itamar.
Foi substituído por Yeda Crusius, um furacão de mediocridade e prepotência. Diariamente, Yeda aparecia na mídia dando declarações das mais estapafúrdias, desqualificando Haddad – àquela altura, a única âncora de racionalidade no governo Itamar. Escrevi uma coluna azeda, criticando seu exibicionismo.
Recebo um telefonema em casa. Era ela:
- Nassif, que culpa tenho de ser alta, bonita e inteligente!
Era essa a corte de Itamar.
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Itamar 3: dona Maria das Dores
Na ocasião, comentarista do Jornal da Noite da Bandeirantes, criei a personagem Maria das Dores, suposta empregada de Itamar, que todo dia me passava informações sobre as motivações para suas decisões intempestivas:
- Hoje Itamar fez um discurso violento contra os laboratórios famracêuticos. Dona Maria das Dores me disse que ele acordou de noite com insônia, pediu para comprarem um remédio novo, revolucionário, a Água de Melissa. Não encontrando nas farmácias acordou furibundo, fulminando os laboratórios.
As reações de Itamar foi gozadíssima. Ligou para seu João Saad, da Bandeirantes, não para pedir meu pescoço ou coisa do gênero, mas para que seu João intercedesse junto a mim, porque aquela história de dona Maria das Dores estava comprometendo sua imagem de seriedade.
Era um ranheta adorável.
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Itamar 4: o caso Azambuja
Outro episódio ilustrativo foi com o embaixador brasileiro na Argentina, Marcos Azambuja. A Dinheiro Vivo montou um seminário e convidamos Azambuja para analisar o Brasil.
É uma figura deliciosa, irônico, preparado, inteligente. Traçou um histórico sobre o que ele considerava os “azares do Brasil”: a doença de Figueiredo, os cinco anos de Sarney, as loucuras de Collor. E parou por aí.
Escrevi uma coluna sobre a palestra do embaixador e, por minha conta, coloquei o último azar: Itamar Franco.
Estava em meu escritório à noite quando minha irmã Maria Inês telefona de Brasília:
- Lu, o Itamar mandou demitir o Azambuja por causa da sua coluna!
Fiquei louco. Imediatamente escrevi uma carta para Itamar, com cópia para Azambuja e mandei por fax. Nela dizia que era inteiramente minha a responsabilidade por incluir Itamar na lista de “azares” nacionais e que se Itamar quisesse descontar em alguém, que viesse para o meu lado, não do embaixador, que era inocente.
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