Para a TV Globo, sexo sim, escândalo sim, discussão sobre limites éticos e legais no BBB não!
A decisão da TV Globo de expulsar do reality show o participante
Daniel sob suspeita de ter abusado sexualmente da colega Monique, após a
polêmica sobre estupro haver explodido nas redes sociais, é muito
clara: a emissora reagiu em função da repercussão negativa e não em
razão do estupro transmitido ao vivo via satélite. Não interessa à TV e
nem à lógica do Big Brother Brasil um debate sobre ética no programa
ou na TV.
Boninho, diretor do BBB, em um primeiro momento argumentou que
“Daniel era vítima de racismo”, provavelmente em uma tentativa de
duplicação do debate: estupro ou racismo? Após a intervenção da
Polícia, que ameaçou tirar o programa do ar, Boninho mudou de estrategia
e afirmou que Daniel "passou dos limites".
O apresentador Pedro Bial foi lacônico ao anunciar a expulsão do
participante. Aliás, no episódio do BBB que alcançou o maior índice de
audiência até hoje, Bial - por explícita conveniência - não detalhou
para os telespectadores - e ao que tudo indica nem mesmo aos outros
participantes - qual foi o motivo da eliminação de Daniel. Ao anunciar
sua saída, alegou somente que Daniel havia "infringido as regras do
programa".
Passaram do limite a Rede Globo, Boninho e o participante Daniel.
Infringiram a regra da ética. O diretor e a produção do BBB foram
omissos, assistiram de camarote, na madrugada de sábado para domingo,
ao desenrolar do que tudo indica ter sido um estupro transmitido ao
vivo pela TV brasileira. Poderiam ter agido e impedido o suposto crime.
Mas aquilo tudo – o estupro e a transmissão ao vivo aos espectadores
pagantes - fazia parte da festa, do show. Tudo leva a crer que
apostaram no escândalo, na polêmica, na dúvida sobre o caráter de
Daniel, mas também de Monique. Apostaram que surgiriam os argumentos
preconceituosos comuns nesse tipo de caso: "ela deu mole, facilitou,
provocou". Afinal, os participantes sabem os riscos que correm pelo
fato de o programa ser transmitido ao vivo.
A TV Globo parece ter entendido rapidamente os riscos que corre. A
denúncia sobre o possível estupro explodiu primeiro nas redes sociais,
pautando sites de notícias e blogs, que passaram a indicar links para o
YouTube: estupro no BBB12. Em pouco tempo, o caso tornou-se o tema mais comentado na internet.
E o que era para ser uma festa no BBB e mais um escândalo de audiência saiu do controle. A edição do BBB de 2012 tem
cinco patrocinadores - AmBev (Guaraná Antarctica), Fiat, Niely,
Schincariol (Devassa) e Unilever (Omo) – que, segundo informações da
imprensa, desembolsaram R$ 20,6 milhões cada um para terem suas marcas
no programa, totalizando R$ 103 milhões. Sabe-se que a discussão sobre
limites éticos e legais na produção de conteúdo e patrocínio de
programas é uma questão que causa verdadeiro pânico na TV.
Pois esse episódio aponta para duas tendências do público: a
primeira evidencia que o telespectador passou, com as tecnologias de
comunicação, a ver TV e emitir sua opinião a partir de seu próprio
juízo; a segunda tendência revela que a sociedade já identifica com
mais clareza situações de violência contra a mulher e que a violação do
corpo e da intimidade de uma mulher já é debatida como questão de
direito e justiça.
São sinais claros de avanços na agenda de debates e da participação
da cidadania. Falta agora que os veículos de mídia também aceitem
participar desse debate sobre os limites éticos e legais de seus
conteúdos e estratégias para conquistar audiências. Também faltam
posições inequívocas das instituições democráticas do país sobre as
consequências previstas para esse tipo de atitude de emissoras de TV,
para que possam ser responsabilizadas editorialmente sobre os conteúdos
transmitidos.
Jacira Vieira de Melo
- Graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo, mestre em
Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da USP e
especialista em Comunicação Social e Política na perspectiva de gênero e
raça. É diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e
Direitos.
(11) 3262.2452 / 7618.9731 - jaciramelo@uol.com.br
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