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Ação chegou ao gabinete do ministro Gilmar Mendes, do STF, no mesmo dia em que o contraventor foi preso; magistrado deve se pronunciar sobre recurso extraordinário contra legalização dos caça-níqueis em Goiás; réus são a Gerplan, de Cachoeira, e o Estado de Goiás, no qual governador Marconi Perillo decretou o resgate da videoloteria à legalidade
O encontro em Berlim entre o senador Demóstenes Torres (GO) e o
ex-presidente e atual ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes, no final do ano passado – e o fato de uma enteada do ministro,
Ketlin Feitosa Ramos, ter ocupado cargo de livre nomeação no gabinete do
senador, entre setembro de 2011 e 2 de abril deste ano, quando foi
exonerada -, têm, queira-se ou não, um felpudo pano de fundo jurídico.
Está sob a responsabilidade de Mendes, no STF, um processo de maior
interesse de Demóstenes e, especialmente, do contraventor Carlinhos
Cachoeira, preso em Mossoró, pela Operação Monte Carlo, da Polícia
Federal, e do govenador de Goiás, Marconi Perillo.
É a Ação Cível Originária 767 (clique para acessá-la -
é só digitar ACO 767 na pesquisa), iniciada no Estado. Tem como réus a
empresa Gerplan Gerenciamento e Planejamento Ltda, que pertence a
Cachoeira, e o Estado de Goiás, no qual o governador Perillo assinou
decreto que, na prática, resgatou da ilegalidade as videoloteiras
(máquinas caça-níqueis). Os autores são o Ministério Público de Goiás e o
Procurador-Geral de Justiça do Estado de Goiás. No cabeçalho das atuais
quase mil páginas está definido seu tipo: “Assunto: Direito
Administrativo e Outros/Matéria de Direito Público/Atos
Administrativos/Licenças/Jogos de Bingo e/ou caça-níqueis”. Trata
diretamente da confirmação ou derrubada do decreto estadual de Perillo
sobre o retorno à legalidade, no Estado, do negócio de exploração
comercial de caça-níqueis.
O controle do jogo ilegal em Goiás é de Carlinhos Cachoeira. A
decisão final sobre esse processo tende a gerar repercussão em todo o
País, abrindo uma janela, em caso de ser favorável à Gerplan e a Goiás,
para a volta dos bingos e das maquininhas caça-níqueis em outras
unidades da Federação.
O processo chegou à mesa de Mendes, para um despacho que pode ser
decisivo, no dia 29 de fevereiro, depois de uma longa e totalmente
documentada tramitação no STF (confira aqui).
O dia 29 de fevereiro de 2012 também foi a data em que Cachoeira foi
preso. Até a quinta-feira 5, o magistrado ainda não havia dado a sua
decisão. Depois de dois anos de investigação, a data da prisão de
Cachoeira pela PF coincidiu com o avanço da papelada no Supremo. Como se
trata de uma decisão estratégica aos interesses do contraventor, de
complexa reversão, caso venha a ser conferida a seu favor, a igualdade
de datas pode ter sido bem mais que uma ironia do destino.
O processo sob o juízo de Mendes tem origem em Goiás. Um decreto do
governado Perillo resgatou, na prática, a exploração da chamada
videoloteria (as máquinas caça-níqueis) para a legalidade. O MP de Goiás
e o Procurador-geral de Justiça do Estado entraram com um pedido de
liminar para suspender a aplicação do decreto. A peça assinada por
Perillo beneficiava diretamente a Gerplan - Gerenciamento e Planejamento
Ltda, a empresa de Cachoeira que explorava casas de bingo e pontos de
caça-níqueis. A 3ª Vara da Fazenda Pública do Estado concedeu o pedido
de liminar, mas, mais tarde, essa decisão foi considerada improcedente.
Diante da possível perda da causa, os promotores e procuradores de Goiás
resolveram levar o caso à União, notificando a Advocacia Geral da União
sobre a importância do assunto. A prevalecer o decreto, afinal, o jogo
estaria legalizado em Goiás, o que potencialmente poderia levar a
situações idênticas em outros Estados. Com a União na cena, o caso foi
levado ao Supremo e, ali, foi distribuído a Mendes.
O ministro já anotou, sobre o mesmo processo, uma decisão digna de
comemoração por Cachoeira e Perillo, além do senador Demóstenes. Ele
negou provimento ao pedido feito pelo Ministério Público de Goiás para
suspender a decisão da justiça estadual que permitia a exploração dos
caça-níqueis. Ao negar o pedido de liminar, porém, o ministro Mendes
tomou uma decisão que, necessariamente, seria igual a de qualquer outro
juiz. Ele apenas observou que a data de entrada do recurso pelo
Ministério Público de Goiás ultrapassou o prazo legal de trinta dias
sobre a decisão da justiça estadual. Em complemento, Mendes aceitou o
pedido da Procuradoria Geral da União para acompanhar, na condição de
“assistente litisconsorcial ativo” a tramitação do processo.
A decisão está abaixo:
ACO/767 - AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Classe: ACO
Procedência: GOIÁS
Relator: MIN. GILMAR MENDES
Partes AUTOR(A/S)(ES) - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) - PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
RÉU(É)(S) - GERPLAN GERENCIAMENTO E PLANEJAMENTO LTDA
ADV.(A/S) - MARCELO JACOB BORGES
ADV.(A/S) - JEOVAH VIANA BORGES JUNIOR
RÉU(É)(S) - ESTADO DE GOIÁS
PROC.(A/S)(ES) - PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE GOIÁS
INTDO.(A/S) - UNIÃO
ADV.(A/S) - ADVOGADO-GERAL DA UNIÃOMatéria: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Atos Administrativos | Licenças | Jogos de Bingo e/ou Caça-níqueisDecisão: Trata-se de ação civil pública, com pedido de medida liminar, proposta pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP/GO) contra o Estado de Goiás e a GERPLAN – Gerenciamento e Planejamento Ltda. perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. O MP/GO sustenta, em síntese, que o Governo do Estado de Goiás instituiu, por meio de decreto, a modalidade de loteria instantânea e que a Lei 13.762/00, que alterou lei que dispõe sobre a exploração do serviço de loteria e congênere no Estado de Goiás, previu expressamente a possibilidade de exploração de videoloteria (caça-níquel). O juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual/GO proferiu decisão deferindo a liminar. Posteriormente, no entanto, a ação foi julgada improcedente (fls. 599-616). O MP/GO interpôs apelação, arguindo a nulidade da sentença (fls. 599-616). O Estado de Goiás e a GERPLAN apresentaram contrarrazões à apelação, alegando, em síntese, a intempestividade do recurso e, quanto ao mérito, a sua improcedência (fls. 738-742 e 711-726, respectivamente). A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás ofereceu parecer no sentido do conhecimento e provimento do recurso (fls. 747-762). O TJGO determinou a remessa dos autos à Advocacia-Geral da União para manifestação acerca de possível interesse da União no feito. Devidamente intimada, a União requereu seu ingresso na relação processual na condição de assistente litisconsorcial ativo, bem como a remessa do feito ao Supremo Tribunal Federal, na linha do que dispõe o art. 102, I, “f”, da Constituição. Em atenção ao requerimento da União, os autos foram remetidos a esta Corte, abstendo-se o desembargador relator de apreciar o pedido de ingresso da União no feito. A Procuradoria-Geral da República apresentou parecer pelo deferimento do ingresso da União na relação processual, bem como pela procedência da ação cível originária. Decido. Em primeiro lugar, defiro o pedido de ingresso da União na relação processual na qualidade de assistente litisconsorcial do Ministério Público do Estado de Goiás, na forma do art. 54 do Código de Processo Civil, recebendo o processo no estado em que se encontra. Reconheço, portanto, a competência desta Corte para apreciar a apelação de fls. 623-640. Verifico que o recorrente foi intimado da sentença no dia 20 de agosto de 2002, conforme a certidão de fl. 622. No carimbo de protocolo do recurso, no entanto, consta a data de 25 de setembro de 2002, posterior ao término do prazo de trinta dias previsto nos arts. 508 e 188 do Código de Processo Civil. Notória, portanto, a intempestividade do recurso, tendo a sentença de fls. 599-616 transitado em julgado. Ante o exposto, nego seguimento à apelação (art.. 21, § 1º, RISTF). Publique-se. Int.. Arquive-se. Brasília, 2 de fevereiro de 2012. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente
No longo tempo em que está atento a este processo, o ministro Mendes
já deu decisões, também, francamente contrárias aos interesses da
Gerplan e de Cachoeira. O recurso extraordinário 363130, por exemplo,
teve seu seguimento negado por Mendes em decisão de 7 de novembro de
2002. Abaixo:
RE/363130 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Classe: RE
Procedência: GOIÁS
Relator: MIN. GILMAR MENDES
Partes RECTE.(S) - BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÁQUINAS RECREATIVAS LTDA
RECTE.(S) - GERPLAN GERENCIAMENTO E PLANEJAMENTO LTDA
ADV.(A/S) - CRISTOVAM DO ESPÍRITO SANTO FILHO
RECDO.(A/S) - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSDECISÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto com base no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão de Turma Recursal Julgadora da Comarca de Catalão-GO que, confirmando sentença, manteve a busca e apreensão de máquinas de Vídeo Loteria Off-Line, conhecidas por caça-niqúeis. As recorrentes sustentam que o acórdão violou os arts. 5º, II, XXII, XXXV, XXXVI, XXXVII; 170, II e IV e 195, III, da Constituição Federal. Observo que não houve, no órgão julgador a quo, debate e juízo prévios sobre as questões constitucionais tidas por violadas. Também, não foram interpostos embargos declaratórios. Dessa forma, não é de ser reconhecida a pretendida violação, por falta do indispensável prequestionamento. Incidem as Súmulas 282 e 356. Além do mais, mesmo que ultrapassado o óbice da falta de prequestionamento, o apelo não poderia subsistir. É que não há ofensa direta aos dispositivos constitucionais tidos por violados. A jurisprudência do STF exige, como pressuposto à admissão do recurso extraordinário, que haja ofensa direta pela decisão recorrida à norma constitucional, não podendo essa vulneração ocorrer por via oblíqua. Assim, com base no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 7 de novembro de 2002. Ministro GILMAR MENDES Relator
Dez anos depois, Mendes é outra vez senhor do destino da ACO 767.
Agora que se conhecem melhor os métodos de aproximação de Cachoeira
aos seus alvos, com o uso de toda a influência do senador Demóstenes
Torres para conseguir seus objetivos, pode-se acreditar que o encontro
entre o senador e o magistrado em Berlim, e o fato de a enteada de
Mendes ter exercido cargo remunerado de livre preenchimento no gabinete
do senador, tenham sido resultado de uma estratégia recorrente. O certo,
porém, é que todos estarão de olho na decisão do ministro sobre o réu
Gerplan.
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