Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria. Na democracia a opinião é livre. Mas as consequências do voto são compulsórias.
Aprovou-se um Código Florestal sem o amparo da boa ciência, que não
garantirá segurança jurídica no campo nem livrará o país do desgaste das
chamadas “batalhas das liminares”. Foi aprovado um relatório cuja
primeira versão, assinada pelo deputado Aldo Rebelo e aprovada no ano
passado na Câmara, trazia a seguinte dedicatória: “Aos agricultores
brasileiros”. Era a primeira indicação de que o Código Florestal, na
verdade, mais se prestava a ser um novo marco regulatório do setor
produtivo do que qualquer outra coisa. Não que o Código fosse perfeito,
imune a críticas ou ajustes. Mas perdeu-se, já na largada do processo,
as condições adequadas para a promoção de um debate franco, aberto, com
interlocutores qualificados de diferentes instituições ligadas ao
assunto e parlamentares criteriosamente escolhidos por suas respectivas
bancadas para conduzir um projeto estratégico de desenvolvimento do
país.
Na votação do Código em 1º turno na Câmara, a maioria dos
parlamentares votou sem a menor preocupação em conhecer o texto,
debatê-lo, fazer propostas ou ajustes. O clima era de insatisfação
generalizada na “base aliada” com o tratamento dispensado pelo Palácio
do Planalto. Lideranças ressentidas com a falta de diálogo, com a
escassez de recursos federais que não estariam mais sendo repassados
como antes, e com o clima de “caça às bruxas” causado pela demissão de
ministros, deram a resposta no voto. Um voto no escuro. Ninguém sabia
dizer ao certo o que era o texto, o que estavam votando e que
consequências aquilo teria.
A tramitação do texto no Senado foi alvo de maiores cuidados e menos
paixão. Houve avanços em relação ao que foi aprovado na Câmara, mas
tanto o relator Jorge Vianna quanto a ministra Izabella Teixeira foram
duramente criticados por organizações ambientalistas pelo fato de
trabalharem em favor de um acordo possível. Na verdade, o governo deu a
impressão de que demorou muito a acordar. Parecia disperso, consumindo
precioso tempo e energia em outras frentes de mobilização política.
Quando se deu conta, já era tarde. Parte dos ambientalistas também ficou
estigmatizada pela aversão ao diálogo.
Embora pesquisas de opinião revelem que a maioria da população é
contra as mudanças propostas no Código Florestal, as manifestações de
rua ou pela internet contra a proposta de mudança no Código não
demoveram a bancada ruralista de sua estratégia: aproveitar o desgaste
dos partidos da base aliada com o governo para avançar rapidamente na
direção de objetivos mais ousados. É quando entra em cena o deputado
Paulo Piau, relator do texto-base que veio do Senado. As 21 mudanças
propostas por ele feriram de morte o texto que selava o acordo da base
aliada no senado. O governo se recusou a negociar um texto que era
entendido como definitivo, e os dois principais partidos da base aliada,
PT e PMDB, deram a mais fragorosa demonstração de que as aparências não
enganam: o governo nunca teve uma base aliada sólida. Quem aparece
junto na foto, não se sente junto de fato.
O que deveria ser um projeto estratégico, de longo prazo, costurado
por pessoas à altura do imenso desafio de assegurar ao Brasil a condição
de celeiro do mundo e país megabiodiverso, sem que uma característica
exclua a outra, agravou tensões, o dissenso, o fracasso do diálogo.
Os que se apressam em dizer que a maioria venceu devem prestar
atenção não apenas ao número final da votação, mas na qualidade do
número. Segundo reportagem da Revista Época publicada no ano passado (http://glo.bo/ounJkY)
todos os 3.767 candidatos a deputado federal nas últimas eleições
captaram R$ 887 milhões para suas respectivas campanhas. Os 513 eleitos
mais os 58 suplentes que assumiram alguma cadeira na Câmara após licença
do titular foram responsáveis por 70% desse montante. Em resumo: para
se eleger deputado federal é preciso muito dinheiro, e é difícil
imaginar que os eleitos se sintam totalmente desobrigados a prestar
contas ou realizar favores aos que financiaram com tanto empenho suas
campanhas.
Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao
jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria.
Na democracia, a opinião é livre. Mas as consequências do voto são
compulsórias. A presidente Dilma pode vetar o Código. O Congresso
poderá, por sua vez derrubar o veto da presidente. Que o único país do
mundo com nome de árvore não transforme o generoso verde de sua bandeira
em um tenebroso deserto de esperança e sentido.
André Trigueiro
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