Capa desta semana abusa de estereótipo e chancela preconceito com base em leitura rasa da chamada "evolução tecnofísica"
Por Simão Mairins
A edição desta semana da revista Veja mal chegou às bancas e já virou
polêmica. Mas, a despeito do repertório de sempre, não traz nenhuma
especulação bombástica sobre os bastidores da política brasileira. Nem
por isso, entretanto, abriu mão do tom especulador, descontextualizado e
sensacionalista, acrescentando a esses ingredientes um olhar
generalista e estereotipado apoiado em uma teoria nada consensual.
Opondo um elegante e feliz homem alto a outro baixinho com expressão rabugenta, a revista estampa a manchete "Do alto tudo é melhor", que detalha dizendo que "A 'evolução tecnofísica' explica por que as pessoas mais altas são mais saudáveis e tendem a ser mais bem-sucedidas". A capa deixou muita gente estarrecida e, tão logo, caiu nas redes sociais e blogs, gerando, obviamente, inúmeras críticas e intensos debates, que ainda devem se prolongar por alguns dias.
A capa é, de fato, um grande equívoco. A foto
associada à manchete reflete e reforça um olhar preconceituoso, que vai
na contramão de todas as tentativas de quebrar velhas visões e banir
absurdos que ainda vemos cotidianamente, como – para ficarmos com um
exemplo que está muito em voga atualmente – o bullying praticado contra
quem não atende aos padrões estéticos da sociedade contemporânea (como o
baixinho gordinho da foto). Antes de vender exemplares e ganhar mídia
espontânea com a polêmica, uma publicação do porte da Veja – a maior do
Brasil – precisa saber que deveria ter a responsabilidade de não
fomentar coisas desse tipo. Jornalismo irresponsável faz mal e
transforma mentiras, estereótipos e preconceitos em verdades absolutas. E
os exemplos que temos disso no passado não são nada bons.
Mas isso não é tudo. Além de deixar sua imensa contribuição negativa
aos esforços por uma sociedade sem preconceitos (e quando digo imensa
não é exagero, já que a revista é a mais lida do Brasil e forma opinião
de muita gente), pregando uma visão, no mínimo, questionável, a Veja se
apoia em uma interpretação rasa e incompleta de uma teoria que, além de
não ser consensual, não é o que a manchete tenta fazer com que seja. E
isso fica claro na própria matéria, que não fornece nenhuma referência
para a ideia de que os mais altos tendem a ser mais bem-sucedidos,
reforçando a impressão de que a afirmativa é apenas conjectura da
própria revista.
Quando a matéria diz que as pessoas altas "tendem a ser mais
bem-sucedidas", nenhuma fala do economista citado como principal fonte e
criador da tal "evolução tecnofísica" (apresentada como "nova teoria",
mas que já nem é tão nova assim) – o Nobel de Economia Robert W. Fogel –
é transcrita na reportagem ratificando-a, bem como não se consegue
encontrar menção a essa visão em artigos do pesquisador sobre o assunto,
inclusive neste aqui, do qual há grandes chances de que tenham sido
retiradas algumas de sua falas citadas na reportagem (trechos idênticos
constam nos dois textos), embora ele seja apresentado como
"entrevistado".
A revista, inclusive, não se estende muito no assunto polêmico, que
de tão enxuto no texto não justifica o destaque na capa. Nas 15 páginas
do especial, a reportagem apresenta informações até interessantes, como
os perigos da obesidade para a saúde e a importância da boa nutrição
para as crianças em seus primeiros anos de vida (embora não apresente
nenhuma novidade). E em poucas frases, bem depois da metade da
reportagem, resume tudo que anuncia na manchete (até lá, o leitor se
pergunta o que a matéria tem a ver com a barulhenta chamada na capa).
Tão rasa quanto a concepção de que os mais altos se saem melhor que
os baixinhos, é a explicação dada sobre tal tese, tirada sabe-se lá de
onde. Sem fontes claras – fossem elas estudiosos ou mesmo uma pesquisa
quantitativa das que renderam a Fogel boa parte da relevância que tem
hoje – a revista limita-se a exibir um quadro intitulado "Por que alguns
centímetros a mais fazem diferença", citando relações mirabolantes
entre altura e sucesso, e ao seguinte parágrafo, de autoria da própria
redação da revista:
"A altura está associada também à produtividade, ao poder e ao
sucesso. Pessoas mais altas são consideradas mais inteligentes e
conseguem aumento de salário com maior facilidade do que as mais baixas.
Medir 5 centímetros a mais do que os colegas de trabalho garante um
salário 1,5% maior, ou 950 dólares suplementares no fim do ano. A altura
é um quesito crucial até para a liderança. Entre 1789 e 2008, 58% dos
candidatos mais altos à Presidência dos Estados Unidos ganharam as
eleições. Barack Obama tem 1,85m. O republicano Mitt Romney, 1,88
metro".
É necessário dizer mais alguma coisa?
Simão Mairins
Jornalista formado pela Universidade Federal da Paraíba, é
pós-graduando em Gestão Estratégica da Comunicação, pelo Centro
Universitário Leonardo Da Vinci. Fez intercâmbio acadêmico e cultural
junto à Universidade do Porto, Portugal, no curso de Ciências da
Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia. Atualmente, é
coordenador online do Administradores.com.br, repórter da revista
Administradores e edita o Cartaz de Cinema.
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