Por Rodolpho Motta
Desde que o mundo é mundo, o domínio de uns poucos sobre muitos –
ou, se quiserem, das elites sobre o povo -, ou se dá na base da
repressão, com violência explícita que sufoca o corpo e a alma dos
cidadãos – ou se constrói com dissimulações que pretendem contagiar, com
o subliminar, os corações e as mentes.
Esse segundo papel é desempenhado pelas grandes mídias de todos os
países e, entre nós, tem seu maior representante nas empresas “globais”,
que aqui trago como exemplo não porque não goste delas – o que,
confesso, é verdade – mas porque ainda ocupam posição hegemônica junto
ao “povão”, o que é bem claro no caso da TV aberta. E é óbvio que não
estou falando de sustentação governamental, mas de um poder de classe,
que transcende governos, porque encarna uma ideologia que a história
mostra que jamais esteve a serviço do nosso povo.
Se tivermos paciência de, ao menos um dia, assumirmos o sacrifício de
nos colocarmos como expectadores da “Vênus platinada”, perceberemos
claramente que ela – porque vem perdendo seu público das classes “A” e
“B” para a internet – assumiu a postura de pegar carona na ascensão da
chamada “nova classe média” que, ironicamente, lhe foi oferecida pelo
projeto social dos últimos governos, que os globais detestam... Até aí
nada demais. Faz parte de um mundo onde lucro, mercado, oportunidade (ou
oportunismo, como queiram) são palavras recorrentes. Essa é apenas mais
uma corporação a querer a sua fatia desse bolo que envolve o poder e o
que dele decorre.
O problema é que, a partir da constatação desse “nicho de mercado”, a
impressão é de que se tenta reproduzir uma ideologia de componente
preconceituoso a respeito do novo “público-alvo”, que parece ser visto
como um conjunto de pessoas suscetíveis apenas de dar e receber o
rasteiro, o vulgar, a baixaria. Pessoas a quem somente interessaria o
superficial, o trivial, presas fáceis de modas e modismos, vírus que o
quartel-general midiático sabe muito bem inocular. Misturando-se
“caldeirões” e “faustões” em uma “zorra total” em que não falta lugar
para “instrutivos e fascinantes” temas para “Encontros/Na Moral”, como a
histeria pela “mulher-melão”, a discussão sobre troca de casais e
coisas do gênero, parece haver aí uma intencionalidade, cujo carro-chefe
está nas novelas pretensamente ambientadas nos redutos “populares”,
entre elas a “Avenida Brasil”, que hoje mobiliza o público noveleiro do
país. E, no caso, importa pouco saber que milhões de brasileiros “se
divertem” com a trama. Há uma grande discussão, não resolvida, sobre se a
mídia “faz o que o povo quer” ou “faz o povo querer”...
Nunca houve uma enxurrada tão grande de novelas com personagens “do
povo”: empregadas domésticas, balconistas, serventes, bombeiros,
jogadores de futebol etc. Isso seria digno de aplausos se não colocasse o
“povão” como ator e receptor de um permanente espetáculo circense,
encobrindo-se suas justas revoltas e a procura de seus legítimos
interesses. Porque esses personagens são mostrados ora como caricaturas
risíveis, ora como individualidades predestinadas à fortuna pelos deuses
da loteria ou da fama repentina que o sistema propiciaria, mas quase
nunca como seres sufocados pelos verdadeiros embates diários que
caracterizam uma sociedade desigual e perversa como a nossa.
Na ambiência de um falso lixão “glamourizado” ou no reduto do
subúrbio carioca, a uma vilã irreal de incomensurável grau de mesquinhez
e falsidade corresponde uma “mocinha” cuja vingança beira o sadismo,
com dois heróis permanentemente enganados, cuja fraqueza não enxerga o
óbvio. Um homem rico que desfruta e é desfrutável por três esposas
condescendentes, um outro que tipifica o rufião cujo único valor é o
dinheiro, uma jovem que encarna o chamado “objeto sexual”, empaticamente
apresentada como alguém que goza de “liberdade”, homens e mulheres que
trocam de amores como de roupa, jovens que não estudam (jogam bola),
crianças que são “salvas” em um lixão, todos esses personagens – e
outros que é cansativo enumerar - compõem uma dramaturgia duvidosa, um
enredo de soluções fáceis, que desenrola (ou enrola) a história, sempre
com o auxílio de alguém que, nos momentos complicados, escuta através
das paredes ou atrás das portas...
Nas últimas semanas, a Globo vem colocando seu foco em dois assuntos:
um óbvio – o julgamento do STF – e outro, mais sutil, que é a
“preocupação” com os rumos da Educação no país, promovendo levantamentos
e buscando mostrar mais derrotas que vitórias. Na minha opinião, isso é
parte da estratégia dos neoliberais contra o ex-ministro da Educação,
candidato em São Paulo. Mas, admitindo-se que é sério o interesse
global, não custa contribuir, lembrando que a Educação tem várias faces e
não se faz só dentro das escolas: ela é mais ampla, passando,
inclusive, pela família e pelos órgãos midiáticos, com suas
responsabilidades sociais. A grade programática das emissoras abertas no
Brasil – todas concessões do poder público - seguramente não ajuda em
nada no processo de educação do povo. É, pelo contrário, instrumento que
estimula a perpetuação do embrutecimento geral.
Ah! Ia esquecendo de mencionar – e seria falha imperdoável – o “eu
quero tchu, eu quero tcha” e o kuduro “oi oi oi”, pérolas do nosso
cancioneiro, que vêm embalando as noites dos brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário