“Quando a maior parte dos ganhos do crescimento econômico fica com uma pequena fatia da elite, o resto, ou a grande maioria, fica sem poder de compra para adquirir o que a economia é capaz de produzir”
A desigualdade social gerada pelas políticas neoliberais das últimas décadas está sendo apontada como a causa estrutural da grande recessão econômica de 2008 nos Estados Unidos. Dois artigos recentes publicados no jornal The Nation chegam a esta mesma conclusão, um deles assinado por Robert Reich, ex-secretário do Trabalho do governo Clinton e professor de Políticas Públicas na Universidade da Califórnia, o outro por Dean Baker, co-diretor do Center for Economic and Policy Research. Aliás, a outra face da desigualdade social é a crise de superprodução.
Não se trata de mera coincidência: quando a maior parte dos ganhos do crescimento econômico fica com uma pequena fatia da elite, o resto, ou a grande maioria, fica sem poder de compra para adquirir o que a economia é capaz de produzir, afirma Reich. Ele estabelece alguns paralelos significativos ao analisar pontos em comum entre as crises de 1929 e 2008: “Em 1928, 1% dos norte-americanos mais ricos recebiam 23,9% do total da renda nacional. Depois disso, a partilha da parcela 1% mais rica declinou acentuadamente. As reformas do New Deal, seguidas pela Segunda Guerra Mundial, o G.I.Bill e a Great Society expandiram o círculo da prosperidade. No final dos anos 1970, essa camada 1% mais rica representava apenas 8 a 9% do total da renda anual dos Estados Unidos da América, mas depois disso a desigualdade voltou a aumentar e a renda, a se concentrar. Em 2007, essa elite 1% mais rica estava de volta onde estivera em 1928 – com 23,5% do total. As duas maiores quebras econômicas da América ocorreram nos anos imediatamente subsequentes a esses pontos máximos – em 1929 e em 2008.”
O problema não é que os norte-americanos gastam além dos seus ganhos, mas sim que tais ganhos foram congelados muito abaixo do que o crescimento da economia poderia fornecer-lhes, observa Reich. Durante décadas, o salário médio dos EUA quase não foi alterado, mas entre 2000 e 2007 ele simplesmente despencou. Nessas circunstâncias, a única maneira da classe média manter seu poder de compra foi se endividando. Enquanto os preços dos imóveis subiam, os norte-americanos transformavam seus lares em caixas eletrônicos. Mas esse tipo de empréstimo tem limites. Quando a bolha da dívida finalmente explodiu, um vasto número de pessoas não pôde pagar suas contas e os bancos deixaram de receber. Mas o resgate financeiro não mudou a estrutura de fundo da economia. A média dos salários continua em declínio e a elite continua a levar a parte do leão. É por isso que as classes médias ainda não têm o poder de compra necessário para levantar a economia, e porque a auto-proclamada recuperação será tão morna, talvez levando a uma segunda queda. Também é por isso que a América estará mais vulnerável a bolhas especulativas e a explosões mais profundas nos próximos anos.
Do mesmo modo, Dean Baker afirma simplesmente que “é importante desfazer a afirmação de que a retração econômica está sendo perpetrada pela falta de boa vontade dos bancos em emprestar por conta de seu capital fraco. Essa história não se encaixa nos fatos. A posição de capital de muitos bancos cautelosos é muito boa, e ainda assim eles relutam em emprestar. Do mesmo modo que grandes firmas (Wall Mart, etc.) não têm problemas em levantar agora capital a custos muito baixos. O problema é simplesmente que os consumidores estão sem dinheiro algum: logo, bancos saudáveis não emprestam e companhias ricas não expandem seus negócios, porque a fraca demanda torna qualquer investimento arriscado.
Segundo a análise de Baker, “a história da fraqueza econômica sendo resultante de um sistema bancário quebrado é uma completa fabricação. Essa é uma história boa se sua intenção é pegar mais dinheiro para os bancos. Não é uma boa história se o seu objetivo é trazer a economia de volta ao pleno emprego.” Retrospectivamente, ele comenta que nas três décadas subseqüentes à Segunda Guerra Mundial não houve qualquer bolha relevante na economia. O crescimento da produtividade foi traduzido no crescimento dos salários que, por sua vez, levou a mais consumo. O crescimento da demanda levou a mais investimento, crescimento da produtividade e dos salários.
Esse círculo virtuoso foi quebrado na era das políticas de Reagan que visavam enfraquecer o poder do trabalhador comum. Assim, os salários deixaram de estar vinculados ao crescimento da produtividade, eliminando a ligação automática entre crescimento da produtividade e da demanda. Isso levou a economia a exceder sua capacidade, o que ocorreu nos anos 90, com a demanda gerada pela bolha de ações, e nos anos 2000, com a demanda gerada pela bolha imobiliária. Baker argumenta que se as mudanças institucionais da era Reagan não tivessem enfraquecido o poder de barganha dos trabalhadores, essas bolhas não teriam sido possíveis.
A demanda teria acompanhado a capacidade de produção da economia, o FED não teria sentido a necessidade de baixar as taxas de juros para sustentar a demanda. Mais ainda, se o FED tivesse qualquer preocupação com a inflação, supostamente causada pelo crescimento do salário, jamais teria baixado as taxas de juros, como o fez nos anos 90 e ainda mais na década passada. E a queda na taxa de juros sozinha não é responsável pelas bolhas de ações e imobiliária.
Em síntese, o aumento da desigualdade social está no centro da atual crise econômica. E como esse aumento da desigualdade não é um processo natural, mas resultado de uma política consciente, pode ser revertido. Finalmente, os sindicatos (nos Estados Unidos) têm sido há muito a maior força na redução da desigualdade. O que quer que possa ser feito para proteger o direito de organização e que permita aos trabalhadores a opção de se organizar em sindicatos ajudará a reduzir a desigualdade. Ele conclui: “Não é a dificuldade em desenvolver políticas de redução da desigualdade que nos levou a esta crise econômica. O problema é ter vontade política para isso.”
Ou seja, a concentração acima, entre os muito ricos, leva à recessão, donde ser desastrosa para a sociedade inteira. Dizendo assim parece um truísmo, o delírio do óbvio, mas, como foi demonstrado acima, até mesmo o óbvio, o evidente, precisa duma poderosa vontade política para ter vigência. Ou por outra: distribuição de renda é uma questão de vontade política e não de política econômica..
Do Congresso em Foco Não se trata de mera coincidência: quando a maior parte dos ganhos do crescimento econômico fica com uma pequena fatia da elite, o resto, ou a grande maioria, fica sem poder de compra para adquirir o que a economia é capaz de produzir, afirma Reich. Ele estabelece alguns paralelos significativos ao analisar pontos em comum entre as crises de 1929 e 2008: “Em 1928, 1% dos norte-americanos mais ricos recebiam 23,9% do total da renda nacional. Depois disso, a partilha da parcela 1% mais rica declinou acentuadamente. As reformas do New Deal, seguidas pela Segunda Guerra Mundial, o G.I.Bill e a Great Society expandiram o círculo da prosperidade. No final dos anos 1970, essa camada 1% mais rica representava apenas 8 a 9% do total da renda anual dos Estados Unidos da América, mas depois disso a desigualdade voltou a aumentar e a renda, a se concentrar. Em 2007, essa elite 1% mais rica estava de volta onde estivera em 1928 – com 23,5% do total. As duas maiores quebras econômicas da América ocorreram nos anos imediatamente subsequentes a esses pontos máximos – em 1929 e em 2008.”
O problema não é que os norte-americanos gastam além dos seus ganhos, mas sim que tais ganhos foram congelados muito abaixo do que o crescimento da economia poderia fornecer-lhes, observa Reich. Durante décadas, o salário médio dos EUA quase não foi alterado, mas entre 2000 e 2007 ele simplesmente despencou. Nessas circunstâncias, a única maneira da classe média manter seu poder de compra foi se endividando. Enquanto os preços dos imóveis subiam, os norte-americanos transformavam seus lares em caixas eletrônicos. Mas esse tipo de empréstimo tem limites. Quando a bolha da dívida finalmente explodiu, um vasto número de pessoas não pôde pagar suas contas e os bancos deixaram de receber. Mas o resgate financeiro não mudou a estrutura de fundo da economia. A média dos salários continua em declínio e a elite continua a levar a parte do leão. É por isso que as classes médias ainda não têm o poder de compra necessário para levantar a economia, e porque a auto-proclamada recuperação será tão morna, talvez levando a uma segunda queda. Também é por isso que a América estará mais vulnerável a bolhas especulativas e a explosões mais profundas nos próximos anos.
Do mesmo modo, Dean Baker afirma simplesmente que “é importante desfazer a afirmação de que a retração econômica está sendo perpetrada pela falta de boa vontade dos bancos em emprestar por conta de seu capital fraco. Essa história não se encaixa nos fatos. A posição de capital de muitos bancos cautelosos é muito boa, e ainda assim eles relutam em emprestar. Do mesmo modo que grandes firmas (Wall Mart, etc.) não têm problemas em levantar agora capital a custos muito baixos. O problema é simplesmente que os consumidores estão sem dinheiro algum: logo, bancos saudáveis não emprestam e companhias ricas não expandem seus negócios, porque a fraca demanda torna qualquer investimento arriscado.
Segundo a análise de Baker, “a história da fraqueza econômica sendo resultante de um sistema bancário quebrado é uma completa fabricação. Essa é uma história boa se sua intenção é pegar mais dinheiro para os bancos. Não é uma boa história se o seu objetivo é trazer a economia de volta ao pleno emprego.” Retrospectivamente, ele comenta que nas três décadas subseqüentes à Segunda Guerra Mundial não houve qualquer bolha relevante na economia. O crescimento da produtividade foi traduzido no crescimento dos salários que, por sua vez, levou a mais consumo. O crescimento da demanda levou a mais investimento, crescimento da produtividade e dos salários.
Esse círculo virtuoso foi quebrado na era das políticas de Reagan que visavam enfraquecer o poder do trabalhador comum. Assim, os salários deixaram de estar vinculados ao crescimento da produtividade, eliminando a ligação automática entre crescimento da produtividade e da demanda. Isso levou a economia a exceder sua capacidade, o que ocorreu nos anos 90, com a demanda gerada pela bolha de ações, e nos anos 2000, com a demanda gerada pela bolha imobiliária. Baker argumenta que se as mudanças institucionais da era Reagan não tivessem enfraquecido o poder de barganha dos trabalhadores, essas bolhas não teriam sido possíveis.
A demanda teria acompanhado a capacidade de produção da economia, o FED não teria sentido a necessidade de baixar as taxas de juros para sustentar a demanda. Mais ainda, se o FED tivesse qualquer preocupação com a inflação, supostamente causada pelo crescimento do salário, jamais teria baixado as taxas de juros, como o fez nos anos 90 e ainda mais na década passada. E a queda na taxa de juros sozinha não é responsável pelas bolhas de ações e imobiliária.
Em síntese, o aumento da desigualdade social está no centro da atual crise econômica. E como esse aumento da desigualdade não é um processo natural, mas resultado de uma política consciente, pode ser revertido. Finalmente, os sindicatos (nos Estados Unidos) têm sido há muito a maior força na redução da desigualdade. O que quer que possa ser feito para proteger o direito de organização e que permita aos trabalhadores a opção de se organizar em sindicatos ajudará a reduzir a desigualdade. Ele conclui: “Não é a dificuldade em desenvolver políticas de redução da desigualdade que nos levou a esta crise econômica. O problema é ter vontade política para isso.”
Ou seja, a concentração acima, entre os muito ricos, leva à recessão, donde ser desastrosa para a sociedade inteira. Dizendo assim parece um truísmo, o delírio do óbvio, mas, como foi demonstrado acima, até mesmo o óbvio, o evidente, precisa duma poderosa vontade política para ter vigência. Ou por outra: distribuição de renda é uma questão de vontade política e não de política econômica..
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